quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Ruínas de Uma Antiga Loja Maçônica em Aquidauana

Texto do Irmão Gilson Rodolfo Martins (foto), que é bacharel em História pela Universidade de São Paulo (USP) e cursou o mestrado e doutorado em Arqueologia Pré-Histórica Brasileira no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, Ex-Presidente da Sociedade de Arqueologia Brasileira - SAB. Fez estágio no Museu do Homem de Paris e, que na foto ensina jovens Terenas como reconhecer cacos de ceramicas em um sitio arqueologico de uma antiga Missão. È membro da Loja Generosidade e Amor n° 2919 do GOB-MS, Oriente de Anastácio/MS.

Ruínas de Uma Antiga Loja Maçônica em Aquidauana

Como é sabido, a Maçonaria é uma instituição cuja origem e princípios remontam a contextos pretéritos longínquos. Foi no passado que se consolidaram nossas tradições, esculpiram-se os símbolos, enfim para a Maçonaria o tempo materializa o seu modo de ser. Neste momento em que o GOEMS comemora o seu Jubileu de Prata, nossas atenções se voltam para a História, buscando assim conservar a memória e resgatar os esquecimentos da trajetória temporal de nossa fraternidade. Nessa perspectiva é recomendável que os secretários das lojas, assim como todos os irmãos, tenham atenção especial com os livros de atas, outras formas de registros escritos, fotográficos e mesmo certos objetos em desuso, os quais, no futuro, poderão ser fontes de pesquisa para que as próximas gerações maçônicas possam visualizar a universalidade temporal e espacial de nossa singular instituição.

Em 1990, quando, por razões profissionais, nos estabelecemos na região de Anastácio/Aquidauana, obtivemos o conhecimento de relatos populares referentes à existência de ruínas, na área central de Aquidauana, que, no linguajar comum, eram denominadas “Buraco da Ester”. O significado à elas atribuídos variavam conforme o imaginário dos narradores. Para alguns era um esconderijo da Guerra do Paraguai, para outros eram vestígios da desaparecida cidade colonial castelhano/paraguaia, Santiago de Xerez, destruída pelo bandeirante, Raposo Tavares, em 1632, outros associavam o “Buraco da Ester” ao tempo das missões jesuíticas, presentes na primeira metade do século XVII, na área banhada pela bacia dos rios Miranda/Aquidauana, a Província Jesuítica do Itatim. Outros depoentes, menos familiarizados com a História Regional, interpretavam esses vestígios de edificações com um sentido menos nobre, isto é, levantavam hipóteses associadas a um comportamento furtivo de padres e freiras, ou ainda de cunho familiar. Essas versões eram e são ainda tão difundidas na região, que, só por isso, já merecem um estudo sobre as representações que a maior parte da população, desprovida de conhecimento científico, faz sobre o passado e a História.

Por muitos anos, como estudioso e pesquisador da História Regional, ficamos na condição apenas de curioso sobre a materialidade deste “folclore” popular, já que a maioria dos informantes com quem tive contato não sabia precisar o local, pois também só tinham ouvido falar. Alguns outros informantes afirmavam que tinham testemunhado ocularmente a existência das ruínas, porém, as mesmas já não mais existiam, pois haviam sido soterradas intencionalmente havia muitos anos. Assim, na época, ficamos desestimulados em continuar rastreando a capilaridade da memória popular regional com respeito à veracidade ou não do fenômeno, transferindo o problema para a extensa e criativa prateleira dos mitológicos “enterros”.

Há três anos, por meio de uma conversa coloquial com um dos herdeiros da falecida professora aquidauanense, Ester Sanches, soubemos que o imóvel urbano, localizado em Aquidauana, onde estariam embutidas as ruínas, encontrava-se à venda e estava desocupado. A partir de então, não só pela curiosidade científica, mas, sobretudo com a preocupação e a possibilidade de que estruturas do patrimônio histórico regional fossem irremediavelmente perdidas, com a anuência dos proprietários, optamos por uma abordagem arqueológica no local, visando verificar a existência ou não de vestígios históricos no local.
Após serem realizadas escavações arqueológicas no interior do imóvel, confirmamos a existência de estruturas construtivas residuais, tais como, escada, paredes de pedra e vestígios do teto de um pequeno cômodo subterrâneo (v. fotos 1 e 2). Eram as ruínas do lendário “Buraco da Ester”.

Escada de acesso à Câmara de Reflexões

Enfim, que função teria tido esse recinto? Descartadas as inverossímeis versões populares, procuramos investigar quando, quem e por que aquela construção havia sido executada. Alguns informantes que afirmaram terem visitado o local antes do soterramento, disseram que no interior dele haviam visto alguns objetos como uma adaga, um incensário, uma grande chave de ferro e outros cuja veracidade é duvidosa Não foi possível confirmar nenhum desses informes. Consultando dois de nossos irmãos, em Aquidauana, os quais inclusive possuíam fotos do local, tiradas quando ele ainda estava intacto, levantaram a hipótese de ali ter sido uma câmara de reflexões, integrante de uma extinta loja maçônica que existiu em Aquidauana, na primeira metade do século XX. Perseguimos essa hipótese, inclusive fazendo uma consulta aos arquivos do GOB, em Brasília, e constatamos que, no ano de 1923, existiu em Aquidauana uma loja maçônica filiada ao GOB, denominada Amor Fraternal Ao que parece, essa loja abateu colunas no ano seguinte. Não foi ainda possível localizar nenhum documento que indique o endereço e nem os nomes dos integrantes dessa Loja.

Sabendo-se que uma das Lojas maçônicas mais antigas da região de Anatácio/Aquidauana é a Loja Caridade e Ordem fundada em 1894 em Nioaque, ao visitarmos essa cidade, com o auxílio de uma cunhada da fraternidade feminina dessa loja, localizamos a filha do segundo ocupante do imóvel, isto conforme levantamento da cadeia dominial realizado no Cartório de Registros Imobiliários de Aquidauana. Essa pessoa, hoje com 70 anos aproximadamente, informou que na sua infância residiu no imóvel e que seu pai, Emídio Dias, havia sido promotor de justiça, em Nioaque, antes de mudar-se para Aquidauana. Informou ainda que, seu pai, desde quando residiam em Nioaque era maçom. Questionamos se essa senhora, na sua infância, tinha conhecimento do “Buraco da Ester”, ao que ela respondeu afirmativamente, descrevendo parcialmente o que ela havia visto no interior desse recinto. Considerando-se o tempo passado e as dificuldades da memória de longo prazo, a narrativa coletada foi bem clara ao identificar itens normalmente existentes no âmbito de uma câmara de reflexões.

Somando-se esse depoimento às características arquitetônicas do local, concluímos positivamente sobre a hipótese levantada pelos irmãos anteriormente citados, embora a pesquisa ainda não esteja plenamente concluída, pois restaria ainda identificar quem foram os integrantes dessa loja e se eram continuadores da Loja Amor Fraternal, fundada em 1923.

Interior da Câmara de Reflexões

O “Buraco da Ester”, antes de ter sido soterrado, no início da década de setenta do século passado, foi visitado, como já foi exposto, por muitas pessoas, uma delas, Lélia Rita Figueiredo, filha do falecido Governador de Mato Grosso, Arnaldo Figueiredo, registrou formalmente o local como sítio arqueológico urbano, no IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. A partir de então, o local passou a ser protegido pela legislação federal de proteção ao patrimônio Cultural do país.

Perante a ameaça de desaparecimento definitivo, com uma possível reforma do imóvel, caso fosse caso concluída a venda, iniciamos ações no sentido de garantir a preservação de tal monumento histórico, tão relevante para a história do GOEMS, quanto para a história urbana de Aquidauana/Anastácio. Como resultado, obtivemos a lúcida e tempestiva decisão do Reitor da UFMS, o irmão Manoel Catarino Paes Peró, bem como da cunhada Profa. Sílvia Salles Públio, diretora do Campus de Aquidauana da UFMS, de comprar o imóvel, isto com vistas a contemplar o interesse público depositado no significado histórico/patrimonial desse local.

Concluída há trinta dias a transação imobiliária, o imóvel passou a integrar o patrimônio da UFMS, o qual, com apoio técnico e legal do IPHAN, passará por trabalhos de restauração e reformas e será transformado em uma base de pesquisas e estudos arqueológicos e históricos da região da bacia dos rios Miranda/Aquidauana, além de que será também um monumento histórico aberto à visitação turística e um ponto de eventos culturais e científicos.

Anastácio, abril de 2005.