quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Notícias da passagem de um “cometa” sobre o Oriente do Vale do México

Gilson Rodolfo Martins[1]

Começarei este texto esclarecendo as aspas sobre a palavra cometa no título acima. No mês julho do corrente estive por alguns dias na Cidade do México participando de um evento científico, o Congresso Internacional dos Americanistas, que, neste ano realizou-se nessa cidade. Aproveitei essa oportunidade para conhecer um pouco sobre a Maçonaria desse país e visitar alguma Loja regular, com a qual o GOB mantém vínculos formais de reconhecimento mútuo. Foi assim que visitei a sede da Gran Logia Valle Del México, com abrangência maçônica sobre o Distrito Federal do México, a qual estão filiadas 357 Lojas regulares. Portador de uma carta de apresentação expedida pelo Grão-mestrado do GOB/MS, me dirigi aos dirigentes dessa Potência Maçônica sendo recebido fraternalmente pelo Muy Respetable Gran Maestro, Eduardo Atzayácatl Licona que, na ocasião, externou um TFA a todos IR:.:. do Oriente de Mato Grosso do Sul, bem como convidou-me para trabalhar em uma das oficinas que atuam naquele complexo maçônico. Assim, participei como visitante dos trabalhos da ARLS:. Eliphas Levi, número 191, que adota nos trabalhos o REAA. É a partir deste ponto que terá início a explicação anunciada acima. Na tradição desse Oriente maçônico, existe a figura do irmão visitante de outras lojas, que, como no nosso Oriente, recebe um tratamento convencional pré-estabelecido, porém quando o irmão visitante é oriundo de outro pais ou hemisfério ele é considerado mais que um visitante e sim, um corpo sideral que está, naquele momento, circulando naquele horizonte celeste, daí o figura simbólica do “cometa”. Entendem os irmãos desse Oriente que essa passagem de um corpo celeste oriundo de orientes longínquos é longa e penosa, daí, a necessidade de apoio e ajuda para continuar a trajetória astronômica de retorno ao Oriente de origem. Nessa linha de pensamento, a coleta do Tronco de Solidariedade que circulou na sessão onde este “cometa” se fez presente foi integralmente doada ao mesmo para que simbolicamente receba os fluídos da fraternidade universal necessários à continuidade da jornada estelar.Recebi fraternalmente a ajuda, porém, expus que, embora muito agradecido e respeitando essa singela demonstração de generosa hospitalaria, eu, por graça do G:.A:.D:.U:., não estava precisando, mas que aceitava me comprometendo a depositar a moeda cunhada ofertada integralmente no Tronco da próxima sessão em que estivesse presente em minha Loja. Ainda durante os trabalhos dessa ARLS:., recebi das mãos do Venerável, como mais um gesto de fraternidade maçônica, uma tela/pôster ilustrada com a imagem do ex-presidente do México, Don Benito Juárez[2], um dos mais importantes fundadores e Grão-mestres da
Maçonaria mexicana/americana, ofertada como símbolo da união indissolúvel da Maçonaria internacional aos obreiros da ARLS:. Generosidade e Amor, Or :. de Anastácio/MS, cujo quadro de obreiros eu integro. Esse quadro hoje está exposto no mural dessa Loja e assim deverá ficar para sempre como uma reverência à memória desse valoroso Ir:. mexicano. Nesse sentido, como reconhecimento e gratidão aos Ir:. mexicanos dessa Logia traduzi e faço publicar a seguir um texto referente ao significado e relevância histórica e maçônica de Benito Juárez.

Vigência do pensamento de Benito Juárez

Os povos fortalecem o espírito cidadão quando são conscientes de suas tradições e adquirem grandeza quando rendem homenagens ao espírito de seus antepassados, como o faziam os romanos ao evocar os seus lares (deuses domésticos, simbolizados por uma chama eternamente acesa no interior das casas - daí deriva a expressão “lar”). Comemorar é uma expressão sensível, representa uma das maiores dimensões humanas, porque significa render homenagens póstumas aos próceres que construíram o rosto e a alma da pátria mexicana, um desses rostos é o de Benito Pablo Juárez Garcia. Para os mexicanos, seu exemplo de vida, sustentado no esforço, na honestidade inquebrantável, na postura patriótica, na visão do futuro, segue marcando um caminho a seguir.Em nosso país e em boa parte do mundo, paradigmas definidos por Benito Juárez, como o federalismo, o desenvolvimento democrático, o estado laico, a divisão de poderes, a defesa da soberania e a independência das nações, a não intervenção e a autodeterminação dos povos, a resolução pacífica dos conflitos e, sobretudo, a aplicação da legalidade e a retidão do estado de direito, são plenamente atuais. As dimensões de Juárez no tempo e no espaço, se ubicam na política e em sua imagem de estadista e, se pretendemos fazer uma distinção entre estes conceitos, diremos que, como político, Juárez sabia ganhar eleições legitimando-se ante o povo do México, com o consenso e com a consciência e, como estadista, uniu a geração liberal mais inteligente do México moderno e preparou as gerações que sustentariam a defesa da pátria e a manutenção da dignidade nacional.As leis da Reforma são a expressão de uma inteligência que soube entender o contexto do tormentosos anos do século XIX, nos quais padeceu o México; para a sorte de nossa sociedade nacional, a justiça foi o valor que inclinou as mentalidades mais avançadas em nosso país a instrumentalizar a legislação da Reforma, sob três princípios que sempre direcionaram a prática de Juárez: a defesa da Constituição, a lei como postulado organizador do interesse público e a luta para que fosse o governo civil quem preservaria o interesse da nação.Para quem se pergunta se o pensamento de Benito Juárez é vigente, basta recordar que nosso México, agora como antes, é um lugar de desigualdades econômicas e sociais, onde tanto o poder – de qualquer índole - como a pobreza, se ajustam com dificuldade ao cumprimento geral das normas legais e, por consequência, a igualdade ante a lei é mais um desejo, apenas, que um valor entre a cidadania. Há foros implícitos que promovem a impunidade, e existe um costume centenário de administrar a lei, NÃO aplicá-la. O nosso é um estado de direito lamentavelmente débil, onde a lei é uma teia de aranha; como dizia José Hernandez, em Martim Fierro: “não tema o homem rico, nunca tema o que manda, pois a teia a rompe o bicho grande, na qual, só se emaranha os pequenos”. Em consequência, como o estado de direito não é confiável, a sociedade perdeu a confiança no governo. Por isso, que vemos continuamente os mecanismos da institucionalidade se deteriorar e a instabilidade e a violência são os mecanismos de pressão para lograr objetivos particulares a margem do direito.Nesse contexto, recordar a vigência de Juárez implica, em princípio, recordar o papel central que tem na sociedade o império da lei. A submissão ante a mesma, tanto do cidadão como das novas corporações e monopólios, é uma condição necessária para o desenvolvimento da modernidade: se a lei não tem aplicação geral ou se carece de mecanismos expeditos de aplicação, ou se a utiliza para atiçar o confronto político, ou se se negocia a sua aplicação, então, a impunidade e a vingança se desenvolvem, a seguridade se enfraquece e a sociedade se debilita.A vigência de Juárez o é também a de sua geração, com a que integrou o que agora se denomina uma classe política, a qual foi a que obteve logros substantivos para o interesse público. Quanto não faz falta uma classe política desse tipo, que defenda o interesse geral dos mexicanos dentro e fora do país; uma classe política que seja respeitada pelo reconhecimento de quem a integre, que sejam atores que lutem pelo interesse geral e porque eles mesmos estejam submetidos a lei; uma classe política que forme lideranças políticas que, como Juárez, se baseiem em nas virtude humanas e que por suas ações orientem a política ao interesse geral e a prestigiem.Juárez mesmo é um exemplo vigente do que pode alcançar a educação. Uma educação útil tinha que ser, em seu tempo, laica, e no nosso também: laica, gratuita e de elevada qualidade em todos os níveis; uma educação que fortaleça os valores civis e sociais, que articule a cultura e a ciência para descartar fanatismos e impulsione o conhecimento para o bem estar; uma educação que nos ensine o passado sem maniqueísmos teleológicos, que elimine o sentido de discriminação social, que introduza os valores da tolerância; e por último, que impacte a relação ciência-produção.A experiência mostra que viver respeitando e aplicando a lei tem sido um sonho social; sua falta de aplicação tem fundamentos culturais. Não basta que os princípios legais estejam consignados, com mais ou menos extensão, em diversos códigos políticos que tem o país, estes não têm podido, nem poderão arraigar-se à Nação enquanto que em seu modo de ser social se conservem os diversos elementos do despotismo, da hipocrisia, da imoralidade e de desordem que nos contrariam. São palavras de Juárez, palavras vigentes enquanto que muitos desses vícios ainda subsistem, e haverá que erradicar-los da forma de ser, forma egoísta de ser que arruína a pátria.Em assunto de legalidade, mentem-se uma vigência específica porque poderia eliminar a crença de que se é justo, membros da sociedade podem atuar justiceiramente; dizia Juárez: “Qualquer plano que se adote, qualquer promessa que se faça, saindo-se da lei fundamental, nos conduzirá inevitavelmente à anarquia e a perdição da pátria, sejam quais forem os antecedentes e a posição dos homens que a ofereçam”. Portanto, a arbitrariedade não pode ser fundamento de governo, porque ela diminui a confiança nas leis, alija a população de seu respeito, porque faz parecer normal afetar com suas ações o direito de terceiros.Benito Juárez sustentava que, seus esforços por defender a soberania e estabelecer a Reforma, valeriam se “todos os homens honrados e sinceros que, por fortuna, abundam todavia em nossa desgraçada sociedade, fossem recordados: esses homens desejavam o bem de sua pátria e faziam o quanto era possível para obtê-lo.”.Cento e trinta e seis anos depois, podemos rememorar a esse homem como ele o esperava. Foi um patriota que teve uma vida convulsionada, repleta de infortúnios e cheia de privações, porém sempre teve a firme convicção de lutar pelo bem da nação, pelo bem geral, homem moral, que não enriqueceu com o exercício do poder e viveu legal e modestamente.Nestes tempos modernos de vacilações ideológicas e políticas, o exemplo de Juárez cobra vigência, porque as leis da Reforma se lograram graças a essa visão e patriotismo, devemos admirá-la com resolução e firmeza, pois, sem as quais, teria sido impossível assentar as bases jurídicas do México Livre e Soberano. O pensamento liberal juarista significa para o país a força que forjou a estrutura e o modelo jurídico, político e social, que, apesar dos detratores de ultra-direita, segue tendo vigência e vigor na atualidade.Hoje, como ontem, existem pequenos grupos, com grandes recursos econômicos, que, vivendo de rancores históricos, alimentam um falso entendimento da história sobre a vida e a obra de Don Benito Juárez, porém é evidente que a história tem dado a cada um seu lugar. Juárez vive e seu exemplo se estende com o caudal generoso em cuja onda floresce a esperança do melhor amanhã para os mexicanos. É um dever patriótico preservar, respeitar e divulgar a vida e a obra do colosso Guelatao.
BELLO, Martín Alberto Dávila. Tradición Masónica : Vigencia del Pensamiento de Juárez. in: El Poder de La Razón, ano 1, número 2,– Edición de Gran Logia Valle de México. verano 2008, Ciudad de México. Tradução de Gilson Rodolfo Martins.
[1] M:.M:. , membro da ARLS Generosidade e Amor, Oriente de Anastácio/MS, membro da Academia Maçônica de Letras de Mato Grosso do Sul.
[2] Benito Juárez nasceu no interior do México, no início do século XIX, quando o México atravessava um período muito conturbado pela luta em prol da independência.Filho de uma família indígena muito pobre, ainda pequeno ficou órfão e foi adotado por uma família de pequenos proprietários. Teve uma infância marcada pelo trabalho precoce e árduo, o que temperou sua personalidade no sentido da justiça social. Quando adolescente, estudou com muita dificuldade e com recursos proveniente de seu próprio esforço, conseguindo, posteriormente ingressar na vida universitária, onde cursou Direito. Formado, atuou no serviço público e na vida política onde engajou-se na luta pela expulsão de forças estrangeiras (francesas, americanas e espanholas) que, aproveitando-se da desorganização institucional reinante no período pós-colonial, invadiram o país. Graças a sua formação erudita, a sua intransigência nos ideais políticos, a sua coragem como homem e cidadão, ascendeu na luta política de reconstrução do estado mexicano livre e soberano, chegando a ocupar a presidência da república mais de uma vez. Foi um dos fundadores e construtores da Maçonaria mexicana onde atingiu o status Grão-mestre Geral. Sem dúvida foi um dos maiores maçons americanos e como tal pautou toda a sua existência e ação no mundo profano.