Meus Caros Irmãos,
Recebam os meus sinceros votos de Luz, Amor e Paz!!!
Vamos estudar um pouquinho?
Não precisam ler tudo de uma vez. O importante e ler, compreender e aprender...
Boa parte texto foi retirado de uma obra que a Madras acaba de publicar e editada por mim: A História da Rosa-Cruz, Os Invisíveis de Tobias Churton, o mesmo autor do Beijo da Morte – A Verdadeira História do Evangelho de Judas, Madras Editora, muito bom...Não se esqueça que os críticos esperam, ou desejam, que esse assunto morra, mas nós não.
Temos uma coleção de livros, Mestres do Esoterismo Ocidental, editados por mim, na Madras, que são sensacionais e os recomendo, são eles: Emmanuel Swedenborg; G.R.S. Mead; Helena Blavatsky; Jacob Boehme; John Dee; Paracelso; Robert Fludd e Rudolf Steiner.
18º Grau Maçônico “Rose-Croix”
Um sobrevivente do peculiar interesse do período na mitologia rosa-cruz está familiarizado com a Maçonaria no mundo inteiro. É o famoso Rose-Croix – ou 18º Grau do Rito Escocês Antigo e Aceito.
Supostamente, o conteúdo do ritual tem muito poucos elementos “rosa-cruzes” óbvios – nenhuma referência a Christian Rosenkreuz ou à Casa do Espírito Santo, ou até à fraternidade R.C. Comentaristas maçônicos acadêmicos acostumaram-se a concluir que as palavras Rose (“Rosa”) e Croix (“Cruz”) são puramente acidentais e não há como inferir nenhuma influência rosa-cruz. Essa crítica não faz sentido dentro do contexto real da Maçonaria da metade do século XVIII, em que os mitos logo perderam sua especificidade, sendo reduzidos a lições morais e éticas.
As lições morais da Rose-Croix permanecem as virtudes cristãs da Fé, Esperança e Amor – aprendidas por meio de uma jornada simbólica empreendida pelo “cavaleiro maçom” em potencial a um local no Oriente, onde um mistério alquímico da primeira ordem é representado – a saber, a crucificação de Cristo em Jerusalém: “A Pedra Cúbica que emana sangue e água”, como o ritual vividamente declara.
É bem possível que o escritor do ritual estivesse ciente do simples misticismo cristão dos textos pós-Fama de Andreae, embora o sabor do ritual sugira com mais força sensibilidades mais católicas que espirituais protestantes. O ritual não está preocupado com a mitologia de Christian Rosenkreuz, apenas com o potencial iconográfico da rosa e da cruz. Essa imagem é combinada com a do pelicano alimentando suas crias com o próprio sangue, um claro símbolo de Cristo e Seu amor salvador.
O ritual foi provavelmente criado como uma maneira poderosamente conveniente de afirmar a identidade cristã dentro da Maçonaria (que estava sob ameaça), embora retenha uma atmosfera de sugestivo mistério maçônico. Que melhor fonte para o tema cristão em um cenário esotérico simpatizante à “casa oculta” ou Loja ideal da Maçonaria do que um Rosacrucianismo de fervor cristão, celestial e fragrantemente místico em espírito. No clímax do rito, por exemplo, o futuro “aprimorado” cavaleiro maçom encontra uma escada (associada com Jacó e Beth-el, o lugar de Deus) que conduz a um altar adornado com rosas.
As palavras Rose-Croix sugerem um Cristianismo místico e mágico do século XVIII e continuam a fazê-lo: algo indefinível e além da razão. A Maçonaria prefere inferência e alusão a qualquer implicação de especificidade confessional e dogma metafísico: universalismo, simbolismo é tudo. Afinal, a Maçonaria seria definida como “um sistema peculiar de moralidade dissimulado em alegoria e ilustrado por símbolos”. Em muitos aspectos, essa última declaração de William Preston (Illustrations of Masonry ,1772) [“Ilustrações da Maçonaria”]; também pode ser aplicada a aspectos de Neorrosacrucianismo.
A composição original do grau do “Soberano Príncipe Rose-Croix [“Rosa-Cruz”], Cavaleiro do Pelicano e da Águia”, há muito foi atribuída a Jean-Baptiste Willermoz (1730-1824). De acordo com A.C.F. Jackson (Rose Croix, A History of the Ancient & Accepted Rite for England and Wales. Lewis Masonic, 1980) [“Rosa-Cruz, Uma História do Rito Antigo e Aceito na Inglaterra e no País de Gales”], o título apareceu pela primeira vez em 1761, como uma deferência aos detentores do grau do Cavaleiro da Águia.
Em 1766, um francês de origem crioula chamado Estienne Morin (falecido em 1771) completou uma série de Constituições, consideradas atualmente pelo Rito Antigo e Aceito da Maçonaria como importantes documentos de fundação. Essas Constituições datavam de 1762, um ano depois que Morin recebeu uma patente da Grande Loja da França, nomeando-o como “Inspetor-Geral”. Morin considerou a indicação como uma missão para difundir a Maçonaria através do Atlântico de uma forma que servia a seus interesses. De fato, ele se tornaria “Inspetor-Geral” de sua própria constituição maçônica. Morin chegou às Índias Ocidentais em 1763, mas não se sabe se ele completara um Ritual Rose-Croix naquela época. O que ele provavelmente tinha era uma lista de cerca de 25 graus obtidos de Jean-Baptiste Willermoz, o arquivista chefe da Maçonaria, em Lyon.
Como veremos, no tempo devido, Willermoz passou bastante tempo em Lyon examinando, meticulosamente, os rituais de toda a Europa, buscando pela doutrina essencial que unificaria o todo. Em 1761, Willermoz e seu grupo formaram um novo rito de 25 graus. A maioria deles era apenas de nomes e ainda precisavam ser elaborados.
Nesse meio-tempo, Willermoz também se correspondia com um certo Meunier de Précourt, mestre de uma Loja em Metz, que sabia um pouco sobre um grau Rose-Croix que estava sendo trabalhado em algum lugar da Alemanha. Em 1762, De Précourt aguçou mais o apetite de Willermoz com promessas de “mil segredos maravilhosos” disponíveis na Alemanha, inclusive uma Ordem do Templo.
Willermoz completou o Ritual Rosa-Cruz em 1765. Se provinha ou não da Alemanha, não se sabe. Estranhamente, em 1765, surgiu um livro, Les Plus Secrets Mystères [“Os Mistérios Mais Secretos”] com cerimônias que incluíam o grau dos “Cavaleiros da Espada e da Rose-Croix”. O grau não tinha semelhança com o de Willermoz. Talvez houvesse um pouco de concorrência com a proto-Gold-und Rosenkreuzers, oferecendo mais do que devoto simbolismo maçônico.
O Rose-Croix era popular e, por volta de 1768, existiu uma instituição em Paris que se denominava o “Primeiro Capítulo Soberano Rosa-Cruz”, cujos estatutos e regulamentos foram emitidos em 1769. Essa iniciativa expandiu-se à Grã-Bretanha, onde foi acolhida pelos poucos que tiveram acesso a seu trabalho como o grau ne plus ultra – a mais alta forma de Maçonaria, pois “não há nada mais além”. A partir de 1775, o grau Rose-Croix era trabalhado nos “Acampamentos” dos Cavaleiros Templários Maçônicos britânicos.
Dois anos antes de a instituição parisiense ser estabelecida, o vice de Morin, Francken, fundou a Loja de Perfeição e Conselho dos Príncipes de Jerusalém em Albany, Nova York. Uma “Loja de Perfeição” foi aberta em Charleston em 1783, a origem do atual “Supremo Conselho, Jurisdição Maçônica do Sul” (Estados Unidos).
Muito importante para a Maçonaria, o grau Rose-Croix transforma a lenda do assassinato de Hiram Abiff por pedreiros invejosos, ao insistir que o evento crítico da Maçonaria ocorreu quando o “Mestre morto” (não Hiram Abiff mas Cristo, “a pedra fundamental que os edificadores rejeitaram”) convidou o pedreiro para “morrer n’Ele” e renascer no Espírito. Por essa razão, o Cavaleiro Maçom da Rose-Croix é “aprimorado” no clímax do grau. A substância dessa mensagem é bastante clara na Fama Fraternitatis, na qual os Irmãos descobrem as seguintes palavras na cripta oculta de Christian Rosenkreuz: “Nascemos de Deus, morremos em Jesus e viveremos de novo pelo Espírito Santo.” Esta é, no Rito Antigo e Aceito, “a perfeição da Maçonaria”.
Os maçons, em geral, têm relutado em acomodar as plenas implicações dessa compreensão. Freemasonry – The Reality, Tobias Churton, Lewis Masonic, 2007).
Martines de Pasqually (1709? ou 1726/1727-1774)
A maior influência na vida do ritualista maçônico Willermoz, sem dúvida, foi a mente extraordinária de “Don Martines Pasqually”, como ele próprio assinava (seu verdadeiro nome era e continua a ser uma questão duvidosa). Contudo, o sistema de crença de Pasqually, embora possa ser classificado como “paramaçônico”, não pode ser chamado “rosa-cruz”. Entretanto, seu pensamento era, em certos aspectos, inconcebível sem que a mitologia e a tradição rosa-cruz existissem antes e na sua época, enquanto que ele próprio continuaria a influenciar o que, posteriormente, passou sob o nome e descrição de “rosa-cruz”. Por essa razão, Pasqually não pode ser ignorado.
Sua fama reside principalmente por ter fundado uma Ordem dos Élus Coëns [“Sacerdotes Eleitos”], em 1765, ano em que Willermoz completou seu ritual Rose-Croix, cuja confluência de datas atesta a notável quantidade de atividade concertante paramaçônica existente nesse período.
Os Eleitos Coëns não foram a primeira incursão criativa de Pasqually no ritual teosófico. Em 1754, ele fundou um Chapitre des Juges Écossais (“Capítulo de Juízes Escoceses”) em Montpellier, a cidade que Haslmayr tentou alcançar antes de ser condenado às galés em 1612, quando estava em busca de um irmão rosa-cruz. A palavra “Escocês” refere-se à crença nos círculos maçônicos franceses de que a autêntica Maçonaria vinha da Escócia, pois as Lojas estabeleceram-se na França sob a égide de jacobitas exilados (partidários da dinastia Stuart na Grã-Bretanha).
Entre 1762 e 1772, Pasqually estava baseado em Bourdeaux, onde Morin também viveu até sua partida para as Índias Ocidentais em 1763. Em 1765, Pasqually formou um “Templo Coën”, chamado Les Élus Écossais [“Os Eleitos Escoceses”], que, no ano seguinte, tornou-se a Ordre des Chevaliers Maçons Élus Coëns de l’Univers, a Ordem dos Cavaleiros Maçons Eleitos Sacerdotes do Universo. Pasqually estava “pensando grande”.
A garantia para essa grandiosa criação era uma tradução feita por Pasqually de uma “constituição e patente”, que, segundo ele, fora concedida a seu pai, em 20 de maio de 1738, por “Charles Stuard [sic], Rei da Escócia, Irlanda e Inglaterra, Grão-Mestre de todas as Lojas sobre a superfície da Terra”. Esse documento pode ou não ter sido apócrifo. O uso do nome Charles Stuart era, certamente, uma referência a Bonnie Prince Charlie, que, posteriormente, apareceria na história contada pelo barão alemão Von Hund, que vocês conhecerão logo abaixo, sobre como ele obteve um rito templário da mesma origem real. É fato bastante comprovado que os jacobitas exilados usaram a Maçonaria como um sistema de apoio, mas não se sabe se o pretendente ao trono britânico estava envolvido.
A data de 1738 é interessante, pois foi neste ano que a Grande Loja dos Maçons Livres e Aceitos de Londres produziu seu novo livro de Constituições. É possível que houvesse aqui uma tentativa de os maçons “escoceses” (ou melhor franceses) de “ordens superiores” superarem o ás de Londres com um apelo à autoridade ausente e superior. A cavalaria maçônica era melhor quando concedida por um rei, naturalmente. Seria preciso apenas combinar a Escócia com as lendas recém-cunhadas dos “templários exilados” para lançar uma nova estrutura mitológica. Essa estrutura estava, inevitavelmente, amarrada à mística da Rose-Croix e persiste até os dias de hoje.
Pasqually aparentemente servira em um regimento escocês na Espanha (tinha descendência hispano-judaica) e foi entre os militares que ganhou seus primeiros recrutas, que, por acaso, eram católicos romanos (outro soco no olho da Maçonaria “Regular”). Foi através da Loja militar Josué que Louis-Claude de Saint-Martin conheceu o notável Pasqually (Saint-Martin fora designado à Foix Infanterie).
Entre 1766 e 1767, muitos foram admitidos na ordem de Pasqually, incluindo Willermoz. É estranho que os três mais fecundos colaboradores da Maçonaria Teosófica radical com nuances rosa-cruz todos se conheceram: Pasqually, Willermoz e Saint-Martin. Sua influência agregadora tem sido imensa, em certos círculos continentais.
Pasqually usou a Maçonaria como estrutura, mas principalmente por uma questão de conveniência histórica. Embora fosse em parte um judeu convertido, Pasqually era genuinamente cristão, mas, até onde se saiba, pertencia a um ramo do Cristianismo que se pensava estar extinto: o Cristianismo Judaico. O conhecimento dessa tradição especial chegou a Pasqually, disse ele, por sucessão. Ele obteve esse conhecimento do pai.
Pasqually promoveu seu próprio sistema teosófico, que gozou de imensa influência. Willermoz, por exemplo, chegou a considerá-lo a essência da Maçonaria e Saint-Martin – que tinha muitas ideias próprias – submeteu-se à fonte peculiar de inspiração espiritual de Pasqually. A ideia de uma transmissão secreta de conhecimento elevado harmonizava-se com a mitologia do Rosacrucianismo, como também seu foco em Cristo.
No final do século, a crença seria de que, seja o que inspirara o sábio Christian Rosenkreuz, também inspirara a teosofia de Pasqually e Saint-Martin; as obras de cada um deles – junto com as de Jacob Böehme – podiam ser lidas in tandem, e como reforços mútuos a uma poderosa força da Maçonaria teosófica e oculta. Cada vez mais curioso, talvez fosse o comentário de Andreae.
Pasqually afirmou que seu ensinamento vinha diretamente da Sabedoria Celestial e, com tal autoridade, escreveu Treatise on Reintegration [“Tratado da Reintegração”]. Pasqually declarou que, embora o homem tenha sido criado à semelhança de Deus, ele agora estava em um estado de “ruptura” com Deus, um estado de “privação”, de separação de Deus. Pasqually afirmava que, no entanto, isso não era o fim da questão. O Homem ainda podia, quando reconciliado, retornar a seu estado original. Esse retorno envolvia uma gnose judaico-cristã, sobre a qual disse: “Devo relembrar aos homens, companheiros, de seu primeiro estado maçônico, que é dizer espiritualmente homem ou alma, de forma a fazê-los ver verdadeiramente que são na verdade homem-deus, sendo criados à imagem e semelhança desse Todo-Poderoso Ser” (carta a Willermoz, 13 de agosto de 1768). Alguns leitores podem considerar essa promessa um tanto pobre de veemência. Como se conseguia ficar tão inspirado com a ideia de serem reconciliadas com Deus? Não é isso o que os evangélicos pregam?
Bem, não exatamente. O homem do século XVIII vivia em um universo mental muito diferente do nosso. Podemos imaginar, por exemplo, que republicanos e democratas americanos hoje se sentissem um tanto estranhos, talvez até um pouco desconfortáveis, se tivessem de passar algumas horas ouvindo os discursos de Benjamin Franklin. Ele poderia parecer muito diferente ao vivo do que haviam imaginado. Suas suposições, linguagem e clímax da conversa seriam muito estranhos ao ouvido moderno.
Em suma, a opinião amplamente arraigada do homem do século XVIII era, em geral, de que o Homem era um ser caído. O relacionamento principal com seu criador era tenso e difícil; o que o tornava fundamentalmente inseguro se as asas da salvação parecessem débeis. Os protestantes eram encorajados a ter um relacionamento pessoal com seu salvador, mas o pensamento da época poderia tornar isso difícil. Aos católicos, ensinava-se que era bem mais fácil desagradar a seu criador do que ganhar ou estar receptivo às graças que poderiam salvar-lhes a alma. De qualquer forma, o homem estava muito longe do que Deus queria que ele fosse. Havia um abismo entre o que o homem era e como deveria ser. Pecado e inferno eram próximos e a ignorância não era desculpa.
Hoje em dia, a maioria das pessoas herdou um conceito “naturalista” do ser humano. Elas são capazes de se ver até bastante superiores, em alguns aspectos, com o resto do mundo natural, mas ainda parte fundamental dele. Outros acreditam que não vivemos à altura de nosso lugar na ordem natural e somos, desse modo, como um déficit ecológico global. Esses são extremos e a maioria das pessoas encontra-se no meio-termo. Pensamos ser mais ou menos o que estamos destinados a ser; podíamos ser melhores e provavelmente deveríamos. Mas somos seres humanos no sentido orgânico pleno do termo; nosso corpo e alma (se acreditarmos neles) estão bem amarrados.
Isso era apenas um sonho para a maioria, no século XVIII. Quando encontraram algo parecido nos mares do sul, imediatamente pensaram no Éden, e no estado anterior ao pecado original. Para eles, o homem como criatura orgânica finita não era o que Deus tinha verdadeiramente pretendido. Rousseau poderia objetar, mas não era bom sonhando com a bucólica arcádia, cantando as virtudes da vida campestre, enquanto a peste grassava e a morte rondava na esquina. Corrupção e morte não foram removidas da vista. Corrupção e morte, decadência, a condição lamentável e desprezível do homem era visível a todos que não tinham condições de retratar a paisagem campestre de sua terra à maneira dos poetas gregos. A vida era pútrida e fétida, e todos os seres, não importa a aparência, cedo ou tarde sucumbiriam a esse estado. A queda do homem era fato e os indícios estavam por toda a parte.
Como poderia ele ser salvo? Seria possível confiar apenas na Igreja, ou havia uma consciência maior, uma centelha de luz divina, que exigia a própria vontade e concentração? Como salvar a pérola da imagem de Deus no homem do lodo que o cercava?
Pasqually oferecia um caminho que afirmava ter sempre existido mas que, agora estava disponível, sob nova forma mais adequada à época. No sistema de Pasqually, havia quatro classes de graus, além dos graus do ofício. A terceira era a Classe do Templo com os graus: Grande Arquiteto, Cavaleiro do Oriente (ou Grande-Eleito de Zorobabel), Comandante do Oriente (ou Aprendiz Réau-Croix). Este último abria os portões à Quarta classe: o grau de Réau-Croix, que era uma classe em si. Havia sete graus porque havia sete dons do espírito.
Avançando através dos sete graus, o Sacerdote-Eleito estaria apto a entrar em um culto cerimonial, uma teurgia que envolvia invocações mágico-espirituais, ativando energias divinas. Havia também uma liturgia para invocar “seres espirituais e inteligentes” (anjos).
É preciso lembrar que, para Pasqually, a palavra mason [“maçom”] era sinônima de “homem”. Todos os homens estão envolvidos na obra da construção, ou são “trabalhadores da vinha”. Ser homem é ter potencial criativo. A arquitetura é apenas um aspecto disso e não se devia tomar o símbolo literal ou especificamente demais, como é comum no oficio.
O primeiro Homem foi o Rei-Sacerdote do Universo. Daí, tornou-se pessoal, preocupado apenas consigo mesmo. A reconciliação pode torná-lo de novo um ser universal. O sistema de Pasqually era basicamente uma ordem religiosa, observada com preces e restrita às almas que não esteja em desacordo com a “verdadeira Igreja”. Seu sistema oferecia uma experiência de reconciliação com Deus e consciência de um ser superior, não meramente a teologia ou sua promessa ocasional. Seu objetivo era expandir a alma e a mente.
Pasqually escreveu que a Teurgia era “uma cerimônia e uma regra de vida que permite a invocação do Eterno em santidade”.
Era possível que coisas estranhas acontecessem nas câmaras onde o ritual teúrgico se desenrolava. Manifestações curiosas de atividade aparentemente sobrenatural que ocorriam na câmara de operação chamavam-se “passes” ou “glifos divinos”. Estes não deveriam causar distração aos operadores, mas, dizia Pasqually, deveriam ser considerados sinais de que a “reconciliação” avançava. O “passe”, portanto, era uma manifestação do que Pasqually estava apto a chamar La Chose [“a Coisa”], que nada mais era que a Sabedoria personificada – a divina Sofia.
De acordo com o especialista em Martinismo Robert Amadou, “a Coisa não é a pessoa de Jesus Cristo (...), a Coisa é a presença de Jesus Cristo”, exatamente como o Shekinah (ou glória) era a presença de Deus no Templo.
Pasqually oferecia um culto de expiação, purificação, reconciliação e santificação. Como tal, era uma espécie de resposta católica ao Rosacrucianismo protestante, ou até uma versão deste. De qualquer forma, as correntes agora, graças a Pasqually, estavam entrelaçadas. Como diz Saint-Martin: “Este homem extraordinário é o único que não consegui entender”.
O que Andreae teria pensado sobre ele daria um interessante estudo.
Barão Karl Gotthelf von Hund (1722-1776)
O barão Von Hund afirmava ter sido iniciado em uma linhagem única da Maçonaria, estimulado por Charles Edward, pretendente Stuart ao trono britânico. Certamente, era de interesse dos jacobitas fazer oposição à Maçonaria anti-Stuart, dominada pelos liberais hanoverianos da Grande Loja de Londres e imaginar um ramo superior do ofício.
A mitologia envolvida para estabelecer esse pretexto provinha de duas fontes principais. A primeira, a crença do maçom jacobita, Andrew Michael “Chevalier” Ramsay, emitida pela primeira vez em 1736, de que a Maçonaria renascera na Europa por ordens cavaleirescas durante o período das cruzadas e, depois, o persistente mito das origens patriarcais antediluvianas da Maçonaria, aliado à dinâmica “rosa-cruz” dos mistérios sagrados, trazidos do Oriente pelos cavaleiros-peregrinos. Desse modo, pensava-se que a “Maçonaria” pura desempenhava um papel na restauração da unidade primitiva da humanidade. Essa ideia elevada tinha ressonância com a noção de reconciliação e restauração da perfeição adâmica do homem, preconizada por Pasqually.
Em sintonia com a natureza exaltada da missão maçônica “superior”, Von Hund criou o Rito da “Estrita Observância”. A virtude da Estrita Observância era a de ser a continuação de uma ordem secreta de cavaleiros templários, que, por alguma razão, sobrevivera à supressão papal em 13 de abril de 1312.
É provável que a Escócia tenha oferecido abrigo aos cavaleiros sobreviventes, e seus segredos estavam agora astuciosamente guardados em Lojas maçônicas e alimentados pelas virtudes cavalheirescas dos aristocratas e monarcas escoceses. Desse modo, a Grande Loja de Londres – e a Maçonaria exportada dali à Alemanha e à França – não tinha os verdadeiros segredos. Havia uma mistura intrigante entre a necessidade de segredos com as fantasias sobreviventes da fraternidade oculta rosa-cruz, dando à Estrita Observância e semelhantes ordens posteriores sua peculiar matriz de “Maçonaria Cavalheiresca” com pitadas de devoção mística cristã “rose-croix” mais profunda e gnóstica. Era uma bebida rica e inebriante, servida como antídoto aos rigores bastante tediosos da chamada Era da Razão.
Com sempre se observou, uma falsa ideia é um fato real. Para o crente, acreditar na mentira pode não torná-la real. A crença em um vínculo com os antigos templários criou o fato dos novos templários. Suas crenças tornaram-se uma força motivadora de fato que não pode ser descartada, simplesmente por causa de uma divergência de perspectiva histórica. Existem muitos que gostam de considerar-se templários maçônicos no conhecimento de que representam algo como um ressurgimento em vez de uma continuidade de uma ordem desaparecida. Como observou o historiador maçônico francês Pierre Mollier, o neotemplarismo atrai os homens que se sentem como estranhos em um mundo que se tornou profano demais.
Em 1774, a Estrita Observância foi estabelecida na “província” neotemplária da “Borgonha”, ou seja, em Estrasburgo, depois, em Lyon (“Auvergne”) e em Montpellier (“Septimania”). Trabalhavam-se dois graus além dos três graus do ofício de Aprendiz Aceito, Companheiro e Mestre Maçom. O primeiro era de Noviço, o segundo Cavaleiro Templário, no qual era revelado o segredo de que a Maçonaria era, na realidade, uma sobrevivência da Ordem do Templo, convocada a uma missão secreta pela qual seus membros há muito sofreram.
Na Alemanha, a Loja regular de Braunschweig, Zu den drei Weltkugeln [“Aos Três Globos”], adotou a Estrita Observância e, posteriormente, tornar-se-ia um centro nervoso dos Gold und Rosenkreuzers. O duque Fernando de Braunschweig tornou-se “Magnus” da ordem de Von Hund. É interessante ver que os descendentes das antigas famílias solidárias ao movimento do século XVII tornaram-se patronos dos novos movimentos templários, rosa-cruzes e maçônicos (o landgrave de Hesse-Kassel também estava envolvido).
Em 1775, Braunschweig foi o local escolhido pela Ordem da Estrita Observância para reunir 26 nobres alemães a fim de discutir seus negócios e futuro; de Estrita Observância tinha bem pouco. Um ano após o congresso, os membros dirigentes da ordem viajaram até Wiesbaden, a convite do barão Von Gugomos, que se dizia emissário dos “Verdadeiros Superiores” da ordem. Seu quartel-general era no Oriente, em Chipre (famosa na história como fortaleza dos Cavaleiros Hospitalários de São João). Ele esperava tomar o controle da ordem e, depois que as perguntas se aprofundaram, declarou que retornaria a Chipre para obter valiosos textos secretos para demonstrar a “genuína” linhagem da ordem e seu propósito elevado. Gugomos foi exposto; seus títulos e patentes eram falsificados. Não foi a última vez na história que falsificações levariam a uma quebra de confiança na ordem.
Após os conventos maçônicos de Lyon (1778) e Wilhelmsbad (1782), a Ordem da Estrita Observância morreu, mas suas ideias seriam substancialmente ressuscitadas quase de imediato. A Estrita Observância transformou-se no Régime Écossais Rectifié de Willermoz: o Rito Escocês Retificado, mais conhecido e reverenciado atualmente nos círculos maçônicos devotos pelo acrônimo de C.B.C.S.: Chevaliers Bienfaisants de la Cité Sainte, os Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa.
O que Willermoz fez com a ideia da Ordem do Templo deve-se muito à força transcendental da mente de Pasqually. O que Willermoz fez mostrou ter um significado bem mais abrangente com um impacto direto no mundo do Neorrosacrucianismo.
No Rito Escocês Retificado de Willermoz, o que importa não é o cavaleiro templário como tal, mas uma ordem trans-histórica, cuja existência remonta, supostamente, ao início dos tempos. A verdadeira “Ordem do Templo” denotava algo bem maior do que a ordem particular da cavalaria sagrada dos séculos XII e XIII. A verdadeira ordem espiritual do Templo do Universo poderia continuar, pois não dependia dos acidentes da história ou de vastas propriedades pelo continente (ou aprovação do papa ou o que seja).
Desse modo, qualquer coisa de natureza secreta e mística associada com os templários era simplesmente uma manifestação do contato entre membros dessa ordem (nem todos precisavam saber isso) e que, depois, seria chamada “a Grande Fraternidade Branca” (em que “branca” refere-se a “magia branca”, suprarrealidades sagradas, santas, divinas, perfeitamente espirituais e orientadas pela luz). Portanto, a afirmação em defesa das realidades da história, de que os templários não tinham vínculos históricos com a “Grande Obra” da redenção da humanidade, podia ser rebatida com a acusação de que tal conhecimento não era para todos nem tampouco discernível à inteligência de todos: apenas aos que receberam o conhecimento revelado pela autêntica iniciação. Esse discurso manifestamente oculto não se sustentaria no tribunal, mas esses julgamentos seriam raros. Em certo sentido, estava dizendo, para usar uma expressão vulgar à Era da Razão, “como ela poderia se safar”.
A concepção de uma ordem trans-histórica pode ser descrita como o conceito fundamental do Neorrosacrucianismo e sua criação representava um desenvolvimento simbólico na história dos Invisíveis. Não eram mais os discípulos “rosa-cruzes” que eram invisíveis, mas seus mestres – o que não quer dizer os próprios adeptos experientes não poderiam, como a ocasião exigia, vestir o véu secreto da invisibilidade!
De acordo com a teoria superior do Neorrosacrucianismo, toda iniciação “verdadeira” provém da ordem transcendente. Portanto, qualquer ordem iniciática aprovada podia ser declarada apenas uma manifestação terrestre da ordem divina acima do espaço e do tempo. Assim que se admite essa concepção, estabelece-se o fundamento lógico por meio do qual uma ordem pode afirmar estar em “sucessão espiritual” com a Ordem Rosa-cruz, a Ordem do Templo, Jesus Cristo, os essênios, João Batista, Pitágoras, os antigos egípcios, os cátaros, os gnósticos, Apolônio de Tiana, Simão, o Mago, os maniqueístas – e por aí vai: aí está a boa-fé alojada sobre um nível inacessível (racionalmente inegável). Contra a corrosão da Era da Razão, uma dupla ou tripla demão de tinta.
Logicamente, seria apenas uma questão de tempo começar-se acreditar que os “Superiores Incógnitos” habitassem no espaço exterior. Quanto mais esquisito se fosse, mais esquisitos seriam seus Chefes Secretos. Contudo, embora algumas ordens se divertissem com as fantasias de ficção científica, a maioria preferiu a interpretação estritamente “espiritual”.
Ordens aprovadas podem afirmar terem entrado em contato com habitantes angélicos da “Casa Invisível”. O fato de a manifestação terrestre do sagrado Santuário ser imperfeita não é importante ao argumento. Os Mestres conhecem bem as fraquezas da humanidade, pois vieram para corrigi-las.
A Casa “Invisível” tem, certamente, “Guardiões Invisíveis”, “Superiores Incógnitos”, “Chefes Secretos”, cujo trabalho é de tamanha abrangência multidimensional de complexidade extraordinária a ponto de, sinceramente, estar além do entendimento da pobre humanidade ignorante. Nós, pobres almas não regeneradas que somos, coitados que mal conseguimos ficar em pé em uma postura que relembre o homo sapiens, só podemos vislumbrar, ter flashes da Grande Obra em andamento, a Grande Missão da alquimia cósmica da qual somos – se tivermos sorte – meramente os instrumentos temporais, a serem descartados após o uso, em bênção ou esquecimento, dependendo de nossa conformação, ou não, aos ditames dos mestres.
Desse modo, também é uma certeza lógica o fato de a seguinte passagem do recém-descoberto Evangelho de Judas ser empregada (se já não é) como exemplo da “Casa Invisível”, vislumbrada por membros privilegiados do movimento gnóstico dos séculos II e III, e que os “ortodoxos” não conseguiam, ou conseguem, ver:
“Nenhuma pessoa de nascimento mortal é merecedora de entrar na casa que viste, pois aquele lugar está reservado para o sagrado. Nem o sol nem a lua lá regerão, nem o dia, mas o sagrado habitará para sempre lá, no reino eterno com os anjos sagrados.”
A própria concepção apareceria (trans-historicamente?) na obra bastante influente de Karl von Eckartshausen, Die Wolke über dem Heiligthum,1802 [“A Nuvem sobre o Santuário”], sobre uma Igreja transcendente de adeptos espirituais que guiam a evolução espiritual da humanidade. É a esse organismo que Aleister Crowley buscou acesso definitivo quando se uniu à Ordem Hermética do Amanhecer Dourado, em 1898, e é desse suposto organismo que muitos hierofantes dos mistérios neo-rosa-cruzes reivindicam sua autoridade, uma suposta autoridade não de “meras patentes de papel”, mas do contato direto com os anjos. Desse modo, o Anjo Mágico de John Dee sempre será de mais interesse a essas pessoas do que os textos devocionais de Johann Valentin Andreae. Vale notar, a esse respeito, que uma das mais recentes reimpressões da obra de Eckartshausen foi feita pela Rozenkruis Pers, editora da ordem rosa-cruz holandesa, o Lectorium Rosicrucianum.
A teoria de Willermoz e Pasqually corrobora a maioria das ordens neo-rosa-cruzes e suas ramificações e quase sempre o que derruba tais ordens é a descoberta de serem falsas as supostas ligações com os Superiores Incógnitos. Assim, quando Aleister Crowley, por exemplo, sugeriu as próprias propostas de fundar uma ordem de magia branca, depois de 1900 (quando a Ordem do Amanhecer Dourado se fragmentou), ele o fez não com base no fato de que o líder do Amanhecer não tivesse contato algum com os “Chefes Secretos” da ordem (isto é, que eles não existiam), mas sim que o então líder da ordem, Samuel Mathers, “fracassara” nesses contatos e não mais servia a seus propósitos. Com Mathers fora, Crowley achou que tinha garantido o próprio contato com um “Chefe Secreto”, conforme o próprio relato, em abril de 1904. Eu particularmente gosto muito do estudo, rituais e cerimônias da O.T.O. .
Com a chegada da ordem trans-histórica (vinculada a vários outras linhagens gnósticas, herméticas, bíblicas e cabalísticas), surgiu o Ser Adepto trans-histórico, às vezes dignificado com o termo avatar, que, parece um pouco mais impressionante e menos sentimental do que “anjos”, aos ouvidos ocidentais.
Portanto, não seria surpresa descobrir que o teosofista neo-rosa-cruz e fundador da Antroposofia, Rudolf Steiner (1861-1925), acreditava não só que Christian Rosenkreuz era uma pessoa real (embora um tanto peculiar), mas também que o nome “Christian Rosenkreuz” era um criptônimo temporário para inúmeras encarnações assumidas por um generoso guia espiritual trans-histórico. O ser que apareceu como “Christian Rosenkreuz” manifestou-se posteriormente como conde de Saint-Germain (?-1784), por exemplo. Seguidores sinceros de Steiner ainda poderiam apreciar encontros espirituais com o exímio ser Christian Rosenkreuz, pois isso fora, tinha certeza, concedido a ele.
Jean-Baptiste Willermoz (1730-1824)
Willermoz foi um poderoso fazendeiro nas cercanias da cidade natal de Lyon, onde se dedicava à educação primária, como também com religião e caridade. Fora iniciado na Maçonaria em 1750 e, a partir de 1763, tornou-se “guardião dos Selos e Arquivos” da Grande Loja de Mestres Regulares de Lyon. Ele colecionava, estudava e comparava cada ritual maçônico que lhe caía nas mãos, não só da França, mas também da Alemanha (em 1772, escreveria ao Barão Karl von Hund para obter informações sobre o trabalho neotemplário do barão).
Colocando o irmão Jacques como presidente, Willermoz estabeleceu um pequeno capítulo da Grande Loja de Lyon para descobrir o verdadeiro significado da Maçonaria. Foi chamado o Capítulo dos Cavaleiros da Águia Negra, um título fortemente indicativo de seu senso de importância da Maçonaria, tanto pelas ordens cavalheirescas quanto pelo simbolismo alquímico.
Willermoz descobriu o que procurava quando era membro da Ordem dos Cavaleiros Maçons e Sacerdotes Eleitos do Universo, de Pasqually. Penetrando no significado das doutrinas de Pasqually, Willermoz descobriu a “paz interior da alma”; ele permaneceu fiel ao homem que, para ele, era incomparável.
Por sua parte, Pasqually indicou Willermoz para “Inspetor-Geral do Oriente de Lyon e Grão-Mestre do Grande Templo da França”. É de se supor que Willermoz apreciasse grandes títulos, pois ele próprio adornou-se com vários deles. Tendo alcançado o topo da ordem de Pasqually – o grau de Réau Croix –, Willermoz, como vimos, buscou fundar a própria na esperança de sintetizar todos os sistemas e ritos maçônicos conhecidos como um veículo aprimorado para a doutrina da “Reintegração” de Pasqually. Entretanto, a correspondência com Von Hund só forneceu a Willermoz a opinião inicial de que a Estrita Observância nada mais era que “apenas um sistema infundado e improvado”; faltava-lhe a qualidade eterna que Willermoz encontrou em abundância no universo de Pasqually. Willermoz considerava que a obra alemã mostrava “uma profunda ignorância das coisas essenciais”. Isso não podia ser dito dos Eleitos Cohens, pelo contrário, cuja doutrina demonstrava “uma Maçonaria além da Maçonaria”. O Rito Escocês Retificado, projetado para ser um vencedor maçônico, foi devidamente lançado no Convento das Gálias, em Lyon, entre novembro e dezembro de 1778, um pouco antes de o exército britânico dominar a rebelião americana no sul e capturar Savana, capital da Geórgia.
O universalismo revolucionário estava no ar. Do outro lado do Atlântico, onde a frota francesa encalhou após não conseguir atacar os britânicos em Nova York, a revolução do Homem cheirava não a incenso, mas a pólvora.
As ideias de Willermoz sobre os direitos do homem podiam ser encontradas no quarto círculo de seu Rito Escocês Retificado. Após passar pelos três círculos preparatórios, um quarto círculo interior aguardava o futuro maçom. Por trás do véu do mistério reside – surpresa! – nada menos que um conclave de adeptos da Ordem dos Eleitos Cohens do Universo. Lá, o cavaleiro maçom encontraria o conhecimento exclusivo àquela ordem: Cabala, teurgia e alquimia. Ele podia aprender a mudar o mundo.
De fato, o saber era uma importante função da ordem. A doutrina da Reintegração de Pasqually era nada menos que “a ciência do homem” no coração da Maçonaria e, portanto, no coração de toda aspiração espiritual humana.
O homem era feito à imagem e semelhança de Deus. Após a Queda, o homem reteve a imagem, mas não a semelhança. O objetivo da iniciação era a imitação. O intelecto humano era uma dádiva de Deus e era dever do homem cultivá-la. Willermoz criou programas pedagógicos destinados a transmitir um conhecimento que se acreditava ser nada mais que o fiel legado de uma doutrina muito antiga.
Como já vimos, essa “ciência de reintegração” originou-se, nas palavras de Willermoz, de uma extraordinária “Ordem Superior e Sagrada”. O que mais um maçom podia desejar: a antiga gnose do Homem. Como os cavaleiros templários ou a obra de Christian Rosenkreuz, o próprio Rito Retificado era apenas uma manifestação temporária da atividade da ordem divina. Contudo, como tal, o Rito Escocês Retificado estava fadado a ser.
Após uma jornada variada através do tempo terrestre, o rito ainda está bem vivo. Sem ele, não existiria O Código Da Vinci nem o jogo elaborado que é o “Priorado do Sião”.
Louis-Claude de Saint-Martin (1743-1803)
O nome que tem o maior vínculo, desde o século XVIII, ao esquema trans-histórico de redenção, “reparação” ou reintegração não é o de Pasqually, mas de seu aluno, Louis-Claude de Saint-Martin. Quem reverencia os ensinamentos de Saint-Martin e segue as linhas por ele estabelecidas é chamado “martinista”, o que não quer dizer que o próprio aprovaria tudo que os martinistas dizem e fazem. As ideias – mesmo as transcendentes – desenvolvem-se, claro.
O pseudônimo de Saint-Martin combinava com seu ensinamento fundamental. Ele era conhecido como o “Filósofo Desconhecido”, o que pode significar muitas coisas. Um filósofo desconhecido tem muito a ver com uma fraternidade invisível.
Entre agosto e outubro de 1768, Saint-Martin uniu-se à Ordem dos Eleitos Cohens, a ordem de Pasqually e trabalhou como secretário desta, de 1768 a 1771. Ele aprendeu com o iluminismo de Pasqually sobre a existência e o noivado teúrgico com os poderes angélicos (supostamente) superiores. Por meio da magia cerimonial, Saint-Martin seguiu o caminho do adepto de Pasqually à iluminação na tentativa de recobrar as puras faculdades de Adão, antes da Queda. Esse era o único objetivo da teosofia maçônica – não é de admirar que os adeptos têm tendência a desdenhar meros maçons de ofício!
Desfrutando da hospitalidade de Willermoz, em Lyon, Saint-Martin escreveu sua obra mais famosa e mais difundida, Des érreurs et de la vérité, ou les hommes rappelés au Principe universel de la Science (1775) [“Dos Erros e da Verdade, ou Homens chamados ao princípio universal da Ciência”], na qual as ideias de Pasqually foram transformadas em um sistema martinista.
O livro contém uma crítica abrangente do conceito de razão defendido pela iluminação secular. A verdadeira iluminação não vem dos sentidos ou das considerações do cérebro. A iluminação – como a religião – é uma dádiva sobrenatural. A religião é um meio de transmitir sabedoria a quem percebê-la. A Verdadeira Causa de tudo não é um princípio filosófico adequado à razão humana, mas um Ser ativo e inteligente que está sendo ele próprio. A Verdadeira Causa é capaz de algo inimaginável e incalculável para a razão desamparada.
A própria Queda pode ser superada. As faculdades dispersas e fragmentadas do homem são como um espelho quebrado pelo impacto da Queda. Eles não conseguem refletir a verdadeira luz com perfeição até que sejam reunificados pela regeneração. Essa retificação da dignidade do homem é possibilidata pela virtude do ato sacrificial do Réparateur. Cristo, a Palavra, é o “Reparador”, quem conserta a fenda que separa o homem e seu estado primitivo de “Homem-Deus”. A natureza física, que também sofreu a queda, não é imune à obra do Reparador. O mundo físico também será regenerado, quando o Universo atingir novamente a condição edênica (esse pensamento está em sintonia com as promessas da Fama e da Confessio).
A tarefa de Saint-Martin e de seu sistema (que era em si uma revelação que transcendia a razão) era guiar a humanidade para as capacidades e consciência sobrenaturais que eram, na verdade, suas por direito, mas com relação às quais a geração de Saint-Martin nada entendera, imaginando que os “direitos do homem” se aplicassem apenas às questões de administração representativa.
Saint-Martin estava atento a algumas das ideias científicas e (como seriam posteriormente classificadas) quase científicas de sua era. Entre essas ideias estava a importante descoberta do Mesmerismo (de Franz Anton Mesmer, 1734-1815) e suas ideias de “magnetismo animal”.
Saint-Martin contatou o marquês de Puységur e a Societé de l’Harmonie [“Sociedade da Harmonia”], que explorava o mesmerismo esotérico. Essa sociedade fundou Lojas de mesmeristas, que davam alívio ao sofrimento de muitos com a aplicação de métodos inéditos de melhora sensual, embora a explicação científica para os fenômenos fosse tão fraca que levou à ampla condenação acadêmica dos mesmeristas como charlatães.
Mesmerismo foi o precursor da hipnose e da psicanálise, que ainda amargam uma relação difícil com o mundo do estrito método experimental. Basicamente, a explicação de Saint-Martin para os fenômenos do mesmerismo era a de que devemos nos renovar reentrando em nossa verdadeira natureza. As teorias do “alienista” Carl Jung, desde a década de 1920, têm renovado o interesse na relação entre teurgia, alquimia e simbologia gnóstica com a saúde mental. Agora é comum ouvir palavras como “projeção”, animus, anima, “inconsciente coletivo” e o papel dos “arquétipos” na vida do que Jung considerava a natureza “autorreguladora” da psique.
Jung – um neognóstico a seu modo – indicou quatro aspectos idealmente harmoniosos da psique: pensamento, intuição, emoção e sensação. Não se deve permitir que a faculdade da razão sozinha fique em isolamento e exerça domínio sobre tudo o que examina. O que Pasqually chamou “reconciliação” talvez não esteja muito longe do conceito de “individuação” de Jung, a descoberta do eu reintegrado na harmonia dinâmica do todo. Nesse contexto, é possível observar a postura antirracional de Saint-Martin e seus associados como esforços pioneiros no desenvolvimento contínuo de uma psicologia madura, um trabalho que, talvez, mal iniciou-se, e cujos pioneiros, como de costume, foram os “charlatães”.
Em 4 de julho de 1790, Saint-Martin pediu a Willermoz que retirasse seu nome dos registros maçônicos. Saint-Martin descobrira Jacob Böehme!
A obra de Böehme apresentou a Saint-Martin uma visão teosófica de regeneração humana que permanece sem necessidade de estruturação maçônica nem de postura teúrgica. Saint-Martin concluiu que era a divina Sofia que nos possibilita renascer para a vida verdadeira. Os espíritos que apareciam aos Eleitos Cohens eram, em comparação, impuros. A obra de Saint-Martin Ecce Homo (1792) mostrava quão completamente ele tinha abraçado Böehme; a iniciação de Cristo (conforme mostrada na coleção de Böehme, O Caminho para Cristo, 1624) era o único caminho.
Saint-Martin desenvolveu a ideia do Homem-Deus, o cooperador e ministro da vontade divina, encarregado da missão de salvação. Embora Saint-Martin começasse defendendo um governo de homens escolhidos por Deus para guiar a humanidade, seu amigo Niklaus Anton Kirchberger abriu-lhe a mente às ideias de Madame Guyon, Von Eckartshausen, Heinrich Jung-Stilling, Jane Lead, John Pordage, Thomas Bromley, Johann Georg Gichtel, Caspar Schwenckfeld e Valentin Weigel.
Em consequência dessa nova perspectiva mental, Saint-Martin foi um grande incentivador do desenvolvimento e da expansão geográfica do Iluminismo. Na Rússia, o Iluminismo floresceria sob o reinado da imperatriz Catarina II. O Iluminismo também exerceria influência no movimento do Romantismo nos campos da poesia, filosofia da imaginação, epistemologia e filosofia da história. No século XIX, Balzac estaria entre os muitos escritores que sofreriam a influência da inspiração coletiva do iluminismo.
Saint-Martin, ademais, podia ser entendido em termos de uma evolução social progressiva da humanidade, avançando rumo a uma era do Espírito Santo ou “Paracleto”.
O interessante sobre seu pensamento era que, embora fosse claramente gnóstico, visando ao retorno do Homem ao divino Pleroma, não parecia negar o mundo no sentido ascético ou gnóstico radical. O progresso na Terra era considerado um subproduto da evolução espiritual – em termos alquímicos: o parergon do ergon [“trabalho”]. O objetivo supremo era totalmente ultramundano, mas também transformador do mundo. Nesse processo, os acontecimentos mundiais tinham significado real.
Para Saint-Martin, a Revolução Francesa, por exemplo, era algo que poderia ser decodificado como um hieróglifo terrestre de valor espiritual. Os eventos da revolução personificavam a indagação do homem pela ordem correta conforme o impulso interior de reconciliação e reintegração com a vontade de Deus, enquanto sua violência servia como um sinal da punição pela indiferença passada à Causa Verdadeira. Desse modo, a revolução histórica representava um prenúncio de uma liberação bem maior da humanidade ainda por vir: uma lição profunda e dolorosa, um sacrifício.
Entretanto, o mais importante para o indivíduo era buscar a luz pela qual uma amnésia cósmica podia ser superada. Isso era possível prestando-se atenção ao fragmento residual da Imagem divina que ainda existe no homem. Essa luz residual marcará os primeiros passos rumo à reorientação de nossa vontade com a vontade divina, restaurando, assim, à plenitude, a imagem e semelhança divinas originais. Um novo tipo de ser humano surgiria desse processo que é ao mesmo tempo supra-histórico – como a assembleia dos aperfeiçoados – e histórico, em que a reconciliação se dá dentro dos processos da vida na Terra.
Saint-Martin elogia os hommes de désir [“homens de desejo”], que desejam arrancar a vida divina de sua servidão à condição de pecador. Eles imitam Cristo encarnando, assim, a consciência da Palavra e da Sabedoria divinas; eles expiam o mundo por meio de seu sofrimento sacrificial.
Desse modo, Saint-Martin defende a unidade da mensagem espiritual de libertação e reconciliação através do tempo de uma maneira que, embora possa ser considerada complementar à ideia da comunidade trans-histórica do Rito Escocês Retificado, é discutivelmente superior a este como concepção, uma vez que sua universalidade manifesta um desinteresse maduro na para-história maçônica ou radical maçônica. Talvez Saint-Martin, por meio do envolvimento com influência de Böehme, tenha mudado da posição de curiosus para a de Christianus de Andreae.
Há um eco do Christian Cosmoxenus no “homem de desejo” ideal de Saint-Martin (cujas flechas por acaso estavam sendo lançadas aos ouvidos surdos de Londres pelo artista William Blake). Separado do reino material – a vida vegetal – pela autoimolação (a substituição da individualidade ou egocentrismo pela superior Pedra de Cristo), os “homens de desejo” colocam em prática um ministério espiritual, regenerando outros por meio de seu autossacrifício – dispor de todos os bens perante o Reparador.
Saint-Martin convocou os homens de desejo para participar de boa vontade na Grande Obra da Reintegração. Assim que se atendesse o chamado, a Humanidade seria brindada com os divinos mistérios que o chamado Iluminismo racionalista rejeitou no ato.
Para mim, essa mensagem é coerente com a promessa da Fama, ainda que articulada em uma nova era com as próprias prioridades e preconceitos: “ (...) para que o homem possa finalmente compreender sua própria Nobreza e Valor, e por que é chamado de Microcosmo, e até onde se estende seu conhecimento da natureza.” (Fama Fraternitatis)
Saint-Martin também previu a reintegração da Natureza Eterna, uma mensagem particularmente pertinente às preocupações dessa época, 200 anos depois. Sua obra De l’esprit des choses [“Do Espírito das Coisas”] foi de grande interesse à Naturphilosophie alemã [“Filosofia da Natureza”], cujo espírito viveu mais uma vez na imaginação de alguns alemães “verdes” durante o final da década de 1970 e de 1980. (Falo por experiência própria).
Conforme Saint-Martin, “a imaginação é a parte espiritual da humanidade que possui a visão de todas as coisas. […] Por meio da imaginação, compreendemos a unidade espiritual do Universo”. Dificilmente William Blake podia ter se expressado melhor! Por outro lado, Saint-Martin e o artista e visionário inglês compartilhavam fontes comuns: Böehme e Paracelso.
Saint-Martin também estava ciente de algumas das armadilhas de uma aderência tão próxima ao determinismo exibido por algumas formas de astrologia. O sábio governa seus astros, não o contrário. A vontade do homem de seguir a vontade de Deus pode ser obstruída por interpretações literais de símbolos astrológicos. Saint-Martin deu o nome de “magismo astral” ao poder de reverter o curso da jornada do homem, considerando-o uma distorção dos raios da luz refletida que codifica a vontade divina. Com certeza, deve ter encontrado essa doutrina em Astrologia Teologizada, de Weigel, e também Análise do horóscopo de Christian Cosmoxenus, de Andreae.
Saint-Martin, ao manter as preocupações da Fama e da Confessio, também estava preocupado com a teoria da linguagem, ciente de que um grande abismo separa a humanidade da língua adâmica original, que outrora conteve a essência de uma coisa, de forma que dizer a “palavra” era chamar a própria coisa de dentro. Sem a linguagem adâmica, a comunicação da verdade divina sempre sofreria de um alto grau de deterioração.
Limitações de linguagem costumam sugerir limitações de doutrina. Por exemplo, se dissermos “reino dos céus”, queremos dizer a tradução literal da bíblia grega, que sugeriria um reino do céu diurno e o espaço exterior governado por um imperador? É óbvio para Saint-Martin que as palavras representam uma comparação e metáfora de uma realidade espiritual, decodificada apenas em parte por meio de nossa decaída linguagem. Era possível inferir, na imaginação, a realidade espiritual ao nos concentrarmos na infinitude do que os olhos nos mostram. Os olhos não revelam toda a verdade. Há outra linguagem, uma linguagem simbólica, raramente compreendida, e o dom do poeta de unificar sua visão pelas palavras não é apreciado universalmente.
Cristo é o Verbo e, portanto, reconciliar-se com Ele é, ao mesmo tempo, obter uma nova língua, uma nova linguagem. Essa nova língua foi prometida como dádiva da vindoura era de ouro na Confessio Fraternitatis, prefigurado na história bíblica de Pentecostes, quando os discípulos de Jesus de repente receberam dons linguísticos tão extraordinários que os espectadores confundiram esse espetáculo com o de embriaguez. De fato, tiveram um gostinho do novo reino.
Esse relato nos Atos dos Apóstolos, de acordo com o sistema de Saint-Martin, pode ser considerada um pedaço da história avaliado pelos sinais divinos que codifica. Quanto mais o homem de desejo reintegrar-se no Pleroma (Completude de Deus), mais os sinais divinos com os quais ele está capacitado a decodificar, maior sua compreensão da linguagem original da criação. Quando ele pode completamente abraçar sua Sofia, ele é dotado com a plenitude do Verbo. Na visão de Saint-Martin, eventos históricos são simbólicos de, não instrumentos para, a reintegração da humanidade. Quando o serviço estiver feito, não haverá pergaminho para enrolar; o fim estará em seu princípio.
Sente-se que Saint-Martin não somente descobriu o continente de Jacob Böehme, mas também apreciou a longa estadia na ilha de Christianopolis!
Eu Sou,
Wagner Veneziani Costa
Obs.: A Bibliografia está inserida no próprio texto.
Recebam os meus sinceros votos de Luz, Amor e Paz!!!
Vamos estudar um pouquinho?
Não precisam ler tudo de uma vez. O importante e ler, compreender e aprender...
Boa parte texto foi retirado de uma obra que a Madras acaba de publicar e editada por mim: A História da Rosa-Cruz, Os Invisíveis de Tobias Churton, o mesmo autor do Beijo da Morte – A Verdadeira História do Evangelho de Judas, Madras Editora, muito bom...Não se esqueça que os críticos esperam, ou desejam, que esse assunto morra, mas nós não.
Temos uma coleção de livros, Mestres do Esoterismo Ocidental, editados por mim, na Madras, que são sensacionais e os recomendo, são eles: Emmanuel Swedenborg; G.R.S. Mead; Helena Blavatsky; Jacob Boehme; John Dee; Paracelso; Robert Fludd e Rudolf Steiner.
18º Grau Maçônico “Rose-Croix”
Um sobrevivente do peculiar interesse do período na mitologia rosa-cruz está familiarizado com a Maçonaria no mundo inteiro. É o famoso Rose-Croix – ou 18º Grau do Rito Escocês Antigo e Aceito.
Supostamente, o conteúdo do ritual tem muito poucos elementos “rosa-cruzes” óbvios – nenhuma referência a Christian Rosenkreuz ou à Casa do Espírito Santo, ou até à fraternidade R.C. Comentaristas maçônicos acadêmicos acostumaram-se a concluir que as palavras Rose (“Rosa”) e Croix (“Cruz”) são puramente acidentais e não há como inferir nenhuma influência rosa-cruz. Essa crítica não faz sentido dentro do contexto real da Maçonaria da metade do século XVIII, em que os mitos logo perderam sua especificidade, sendo reduzidos a lições morais e éticas.
As lições morais da Rose-Croix permanecem as virtudes cristãs da Fé, Esperança e Amor – aprendidas por meio de uma jornada simbólica empreendida pelo “cavaleiro maçom” em potencial a um local no Oriente, onde um mistério alquímico da primeira ordem é representado – a saber, a crucificação de Cristo em Jerusalém: “A Pedra Cúbica que emana sangue e água”, como o ritual vividamente declara.
É bem possível que o escritor do ritual estivesse ciente do simples misticismo cristão dos textos pós-Fama de Andreae, embora o sabor do ritual sugira com mais força sensibilidades mais católicas que espirituais protestantes. O ritual não está preocupado com a mitologia de Christian Rosenkreuz, apenas com o potencial iconográfico da rosa e da cruz. Essa imagem é combinada com a do pelicano alimentando suas crias com o próprio sangue, um claro símbolo de Cristo e Seu amor salvador.
O ritual foi provavelmente criado como uma maneira poderosamente conveniente de afirmar a identidade cristã dentro da Maçonaria (que estava sob ameaça), embora retenha uma atmosfera de sugestivo mistério maçônico. Que melhor fonte para o tema cristão em um cenário esotérico simpatizante à “casa oculta” ou Loja ideal da Maçonaria do que um Rosacrucianismo de fervor cristão, celestial e fragrantemente místico em espírito. No clímax do rito, por exemplo, o futuro “aprimorado” cavaleiro maçom encontra uma escada (associada com Jacó e Beth-el, o lugar de Deus) que conduz a um altar adornado com rosas.
As palavras Rose-Croix sugerem um Cristianismo místico e mágico do século XVIII e continuam a fazê-lo: algo indefinível e além da razão. A Maçonaria prefere inferência e alusão a qualquer implicação de especificidade confessional e dogma metafísico: universalismo, simbolismo é tudo. Afinal, a Maçonaria seria definida como “um sistema peculiar de moralidade dissimulado em alegoria e ilustrado por símbolos”. Em muitos aspectos, essa última declaração de William Preston (Illustrations of Masonry ,1772) [“Ilustrações da Maçonaria”]; também pode ser aplicada a aspectos de Neorrosacrucianismo.
A composição original do grau do “Soberano Príncipe Rose-Croix [“Rosa-Cruz”], Cavaleiro do Pelicano e da Águia”, há muito foi atribuída a Jean-Baptiste Willermoz (1730-1824). De acordo com A.C.F. Jackson (Rose Croix, A History of the Ancient & Accepted Rite for England and Wales. Lewis Masonic, 1980) [“Rosa-Cruz, Uma História do Rito Antigo e Aceito na Inglaterra e no País de Gales”], o título apareceu pela primeira vez em 1761, como uma deferência aos detentores do grau do Cavaleiro da Águia.
Em 1766, um francês de origem crioula chamado Estienne Morin (falecido em 1771) completou uma série de Constituições, consideradas atualmente pelo Rito Antigo e Aceito da Maçonaria como importantes documentos de fundação. Essas Constituições datavam de 1762, um ano depois que Morin recebeu uma patente da Grande Loja da França, nomeando-o como “Inspetor-Geral”. Morin considerou a indicação como uma missão para difundir a Maçonaria através do Atlântico de uma forma que servia a seus interesses. De fato, ele se tornaria “Inspetor-Geral” de sua própria constituição maçônica. Morin chegou às Índias Ocidentais em 1763, mas não se sabe se ele completara um Ritual Rose-Croix naquela época. O que ele provavelmente tinha era uma lista de cerca de 25 graus obtidos de Jean-Baptiste Willermoz, o arquivista chefe da Maçonaria, em Lyon.
Como veremos, no tempo devido, Willermoz passou bastante tempo em Lyon examinando, meticulosamente, os rituais de toda a Europa, buscando pela doutrina essencial que unificaria o todo. Em 1761, Willermoz e seu grupo formaram um novo rito de 25 graus. A maioria deles era apenas de nomes e ainda precisavam ser elaborados.
Nesse meio-tempo, Willermoz também se correspondia com um certo Meunier de Précourt, mestre de uma Loja em Metz, que sabia um pouco sobre um grau Rose-Croix que estava sendo trabalhado em algum lugar da Alemanha. Em 1762, De Précourt aguçou mais o apetite de Willermoz com promessas de “mil segredos maravilhosos” disponíveis na Alemanha, inclusive uma Ordem do Templo.
Willermoz completou o Ritual Rosa-Cruz em 1765. Se provinha ou não da Alemanha, não se sabe. Estranhamente, em 1765, surgiu um livro, Les Plus Secrets Mystères [“Os Mistérios Mais Secretos”] com cerimônias que incluíam o grau dos “Cavaleiros da Espada e da Rose-Croix”. O grau não tinha semelhança com o de Willermoz. Talvez houvesse um pouco de concorrência com a proto-Gold-und Rosenkreuzers, oferecendo mais do que devoto simbolismo maçônico.
O Rose-Croix era popular e, por volta de 1768, existiu uma instituição em Paris que se denominava o “Primeiro Capítulo Soberano Rosa-Cruz”, cujos estatutos e regulamentos foram emitidos em 1769. Essa iniciativa expandiu-se à Grã-Bretanha, onde foi acolhida pelos poucos que tiveram acesso a seu trabalho como o grau ne plus ultra – a mais alta forma de Maçonaria, pois “não há nada mais além”. A partir de 1775, o grau Rose-Croix era trabalhado nos “Acampamentos” dos Cavaleiros Templários Maçônicos britânicos.
Dois anos antes de a instituição parisiense ser estabelecida, o vice de Morin, Francken, fundou a Loja de Perfeição e Conselho dos Príncipes de Jerusalém em Albany, Nova York. Uma “Loja de Perfeição” foi aberta em Charleston em 1783, a origem do atual “Supremo Conselho, Jurisdição Maçônica do Sul” (Estados Unidos).
Muito importante para a Maçonaria, o grau Rose-Croix transforma a lenda do assassinato de Hiram Abiff por pedreiros invejosos, ao insistir que o evento crítico da Maçonaria ocorreu quando o “Mestre morto” (não Hiram Abiff mas Cristo, “a pedra fundamental que os edificadores rejeitaram”) convidou o pedreiro para “morrer n’Ele” e renascer no Espírito. Por essa razão, o Cavaleiro Maçom da Rose-Croix é “aprimorado” no clímax do grau. A substância dessa mensagem é bastante clara na Fama Fraternitatis, na qual os Irmãos descobrem as seguintes palavras na cripta oculta de Christian Rosenkreuz: “Nascemos de Deus, morremos em Jesus e viveremos de novo pelo Espírito Santo.” Esta é, no Rito Antigo e Aceito, “a perfeição da Maçonaria”.
Os maçons, em geral, têm relutado em acomodar as plenas implicações dessa compreensão. Freemasonry – The Reality, Tobias Churton, Lewis Masonic, 2007).
Martines de Pasqually (1709? ou 1726/1727-1774)
A maior influência na vida do ritualista maçônico Willermoz, sem dúvida, foi a mente extraordinária de “Don Martines Pasqually”, como ele próprio assinava (seu verdadeiro nome era e continua a ser uma questão duvidosa). Contudo, o sistema de crença de Pasqually, embora possa ser classificado como “paramaçônico”, não pode ser chamado “rosa-cruz”. Entretanto, seu pensamento era, em certos aspectos, inconcebível sem que a mitologia e a tradição rosa-cruz existissem antes e na sua época, enquanto que ele próprio continuaria a influenciar o que, posteriormente, passou sob o nome e descrição de “rosa-cruz”. Por essa razão, Pasqually não pode ser ignorado.
Sua fama reside principalmente por ter fundado uma Ordem dos Élus Coëns [“Sacerdotes Eleitos”], em 1765, ano em que Willermoz completou seu ritual Rose-Croix, cuja confluência de datas atesta a notável quantidade de atividade concertante paramaçônica existente nesse período.
Os Eleitos Coëns não foram a primeira incursão criativa de Pasqually no ritual teosófico. Em 1754, ele fundou um Chapitre des Juges Écossais (“Capítulo de Juízes Escoceses”) em Montpellier, a cidade que Haslmayr tentou alcançar antes de ser condenado às galés em 1612, quando estava em busca de um irmão rosa-cruz. A palavra “Escocês” refere-se à crença nos círculos maçônicos franceses de que a autêntica Maçonaria vinha da Escócia, pois as Lojas estabeleceram-se na França sob a égide de jacobitas exilados (partidários da dinastia Stuart na Grã-Bretanha).
Entre 1762 e 1772, Pasqually estava baseado em Bourdeaux, onde Morin também viveu até sua partida para as Índias Ocidentais em 1763. Em 1765, Pasqually formou um “Templo Coën”, chamado Les Élus Écossais [“Os Eleitos Escoceses”], que, no ano seguinte, tornou-se a Ordre des Chevaliers Maçons Élus Coëns de l’Univers, a Ordem dos Cavaleiros Maçons Eleitos Sacerdotes do Universo. Pasqually estava “pensando grande”.
A garantia para essa grandiosa criação era uma tradução feita por Pasqually de uma “constituição e patente”, que, segundo ele, fora concedida a seu pai, em 20 de maio de 1738, por “Charles Stuard [sic], Rei da Escócia, Irlanda e Inglaterra, Grão-Mestre de todas as Lojas sobre a superfície da Terra”. Esse documento pode ou não ter sido apócrifo. O uso do nome Charles Stuart era, certamente, uma referência a Bonnie Prince Charlie, que, posteriormente, apareceria na história contada pelo barão alemão Von Hund, que vocês conhecerão logo abaixo, sobre como ele obteve um rito templário da mesma origem real. É fato bastante comprovado que os jacobitas exilados usaram a Maçonaria como um sistema de apoio, mas não se sabe se o pretendente ao trono britânico estava envolvido.
A data de 1738 é interessante, pois foi neste ano que a Grande Loja dos Maçons Livres e Aceitos de Londres produziu seu novo livro de Constituições. É possível que houvesse aqui uma tentativa de os maçons “escoceses” (ou melhor franceses) de “ordens superiores” superarem o ás de Londres com um apelo à autoridade ausente e superior. A cavalaria maçônica era melhor quando concedida por um rei, naturalmente. Seria preciso apenas combinar a Escócia com as lendas recém-cunhadas dos “templários exilados” para lançar uma nova estrutura mitológica. Essa estrutura estava, inevitavelmente, amarrada à mística da Rose-Croix e persiste até os dias de hoje.
Pasqually aparentemente servira em um regimento escocês na Espanha (tinha descendência hispano-judaica) e foi entre os militares que ganhou seus primeiros recrutas, que, por acaso, eram católicos romanos (outro soco no olho da Maçonaria “Regular”). Foi através da Loja militar Josué que Louis-Claude de Saint-Martin conheceu o notável Pasqually (Saint-Martin fora designado à Foix Infanterie).
Entre 1766 e 1767, muitos foram admitidos na ordem de Pasqually, incluindo Willermoz. É estranho que os três mais fecundos colaboradores da Maçonaria Teosófica radical com nuances rosa-cruz todos se conheceram: Pasqually, Willermoz e Saint-Martin. Sua influência agregadora tem sido imensa, em certos círculos continentais.
Pasqually usou a Maçonaria como estrutura, mas principalmente por uma questão de conveniência histórica. Embora fosse em parte um judeu convertido, Pasqually era genuinamente cristão, mas, até onde se saiba, pertencia a um ramo do Cristianismo que se pensava estar extinto: o Cristianismo Judaico. O conhecimento dessa tradição especial chegou a Pasqually, disse ele, por sucessão. Ele obteve esse conhecimento do pai.
Pasqually promoveu seu próprio sistema teosófico, que gozou de imensa influência. Willermoz, por exemplo, chegou a considerá-lo a essência da Maçonaria e Saint-Martin – que tinha muitas ideias próprias – submeteu-se à fonte peculiar de inspiração espiritual de Pasqually. A ideia de uma transmissão secreta de conhecimento elevado harmonizava-se com a mitologia do Rosacrucianismo, como também seu foco em Cristo.
No final do século, a crença seria de que, seja o que inspirara o sábio Christian Rosenkreuz, também inspirara a teosofia de Pasqually e Saint-Martin; as obras de cada um deles – junto com as de Jacob Böehme – podiam ser lidas in tandem, e como reforços mútuos a uma poderosa força da Maçonaria teosófica e oculta. Cada vez mais curioso, talvez fosse o comentário de Andreae.
Pasqually afirmou que seu ensinamento vinha diretamente da Sabedoria Celestial e, com tal autoridade, escreveu Treatise on Reintegration [“Tratado da Reintegração”]. Pasqually declarou que, embora o homem tenha sido criado à semelhança de Deus, ele agora estava em um estado de “ruptura” com Deus, um estado de “privação”, de separação de Deus. Pasqually afirmava que, no entanto, isso não era o fim da questão. O Homem ainda podia, quando reconciliado, retornar a seu estado original. Esse retorno envolvia uma gnose judaico-cristã, sobre a qual disse: “Devo relembrar aos homens, companheiros, de seu primeiro estado maçônico, que é dizer espiritualmente homem ou alma, de forma a fazê-los ver verdadeiramente que são na verdade homem-deus, sendo criados à imagem e semelhança desse Todo-Poderoso Ser” (carta a Willermoz, 13 de agosto de 1768). Alguns leitores podem considerar essa promessa um tanto pobre de veemência. Como se conseguia ficar tão inspirado com a ideia de serem reconciliadas com Deus? Não é isso o que os evangélicos pregam?
Bem, não exatamente. O homem do século XVIII vivia em um universo mental muito diferente do nosso. Podemos imaginar, por exemplo, que republicanos e democratas americanos hoje se sentissem um tanto estranhos, talvez até um pouco desconfortáveis, se tivessem de passar algumas horas ouvindo os discursos de Benjamin Franklin. Ele poderia parecer muito diferente ao vivo do que haviam imaginado. Suas suposições, linguagem e clímax da conversa seriam muito estranhos ao ouvido moderno.
Em suma, a opinião amplamente arraigada do homem do século XVIII era, em geral, de que o Homem era um ser caído. O relacionamento principal com seu criador era tenso e difícil; o que o tornava fundamentalmente inseguro se as asas da salvação parecessem débeis. Os protestantes eram encorajados a ter um relacionamento pessoal com seu salvador, mas o pensamento da época poderia tornar isso difícil. Aos católicos, ensinava-se que era bem mais fácil desagradar a seu criador do que ganhar ou estar receptivo às graças que poderiam salvar-lhes a alma. De qualquer forma, o homem estava muito longe do que Deus queria que ele fosse. Havia um abismo entre o que o homem era e como deveria ser. Pecado e inferno eram próximos e a ignorância não era desculpa.
Hoje em dia, a maioria das pessoas herdou um conceito “naturalista” do ser humano. Elas são capazes de se ver até bastante superiores, em alguns aspectos, com o resto do mundo natural, mas ainda parte fundamental dele. Outros acreditam que não vivemos à altura de nosso lugar na ordem natural e somos, desse modo, como um déficit ecológico global. Esses são extremos e a maioria das pessoas encontra-se no meio-termo. Pensamos ser mais ou menos o que estamos destinados a ser; podíamos ser melhores e provavelmente deveríamos. Mas somos seres humanos no sentido orgânico pleno do termo; nosso corpo e alma (se acreditarmos neles) estão bem amarrados.
Isso era apenas um sonho para a maioria, no século XVIII. Quando encontraram algo parecido nos mares do sul, imediatamente pensaram no Éden, e no estado anterior ao pecado original. Para eles, o homem como criatura orgânica finita não era o que Deus tinha verdadeiramente pretendido. Rousseau poderia objetar, mas não era bom sonhando com a bucólica arcádia, cantando as virtudes da vida campestre, enquanto a peste grassava e a morte rondava na esquina. Corrupção e morte não foram removidas da vista. Corrupção e morte, decadência, a condição lamentável e desprezível do homem era visível a todos que não tinham condições de retratar a paisagem campestre de sua terra à maneira dos poetas gregos. A vida era pútrida e fétida, e todos os seres, não importa a aparência, cedo ou tarde sucumbiriam a esse estado. A queda do homem era fato e os indícios estavam por toda a parte.
Como poderia ele ser salvo? Seria possível confiar apenas na Igreja, ou havia uma consciência maior, uma centelha de luz divina, que exigia a própria vontade e concentração? Como salvar a pérola da imagem de Deus no homem do lodo que o cercava?
Pasqually oferecia um caminho que afirmava ter sempre existido mas que, agora estava disponível, sob nova forma mais adequada à época. No sistema de Pasqually, havia quatro classes de graus, além dos graus do ofício. A terceira era a Classe do Templo com os graus: Grande Arquiteto, Cavaleiro do Oriente (ou Grande-Eleito de Zorobabel), Comandante do Oriente (ou Aprendiz Réau-Croix). Este último abria os portões à Quarta classe: o grau de Réau-Croix, que era uma classe em si. Havia sete graus porque havia sete dons do espírito.
Avançando através dos sete graus, o Sacerdote-Eleito estaria apto a entrar em um culto cerimonial, uma teurgia que envolvia invocações mágico-espirituais, ativando energias divinas. Havia também uma liturgia para invocar “seres espirituais e inteligentes” (anjos).
É preciso lembrar que, para Pasqually, a palavra mason [“maçom”] era sinônima de “homem”. Todos os homens estão envolvidos na obra da construção, ou são “trabalhadores da vinha”. Ser homem é ter potencial criativo. A arquitetura é apenas um aspecto disso e não se devia tomar o símbolo literal ou especificamente demais, como é comum no oficio.
O primeiro Homem foi o Rei-Sacerdote do Universo. Daí, tornou-se pessoal, preocupado apenas consigo mesmo. A reconciliação pode torná-lo de novo um ser universal. O sistema de Pasqually era basicamente uma ordem religiosa, observada com preces e restrita às almas que não esteja em desacordo com a “verdadeira Igreja”. Seu sistema oferecia uma experiência de reconciliação com Deus e consciência de um ser superior, não meramente a teologia ou sua promessa ocasional. Seu objetivo era expandir a alma e a mente.
Pasqually escreveu que a Teurgia era “uma cerimônia e uma regra de vida que permite a invocação do Eterno em santidade”.
Era possível que coisas estranhas acontecessem nas câmaras onde o ritual teúrgico se desenrolava. Manifestações curiosas de atividade aparentemente sobrenatural que ocorriam na câmara de operação chamavam-se “passes” ou “glifos divinos”. Estes não deveriam causar distração aos operadores, mas, dizia Pasqually, deveriam ser considerados sinais de que a “reconciliação” avançava. O “passe”, portanto, era uma manifestação do que Pasqually estava apto a chamar La Chose [“a Coisa”], que nada mais era que a Sabedoria personificada – a divina Sofia.
De acordo com o especialista em Martinismo Robert Amadou, “a Coisa não é a pessoa de Jesus Cristo (...), a Coisa é a presença de Jesus Cristo”, exatamente como o Shekinah (ou glória) era a presença de Deus no Templo.
Pasqually oferecia um culto de expiação, purificação, reconciliação e santificação. Como tal, era uma espécie de resposta católica ao Rosacrucianismo protestante, ou até uma versão deste. De qualquer forma, as correntes agora, graças a Pasqually, estavam entrelaçadas. Como diz Saint-Martin: “Este homem extraordinário é o único que não consegui entender”.
O que Andreae teria pensado sobre ele daria um interessante estudo.
Barão Karl Gotthelf von Hund (1722-1776)
O barão Von Hund afirmava ter sido iniciado em uma linhagem única da Maçonaria, estimulado por Charles Edward, pretendente Stuart ao trono britânico. Certamente, era de interesse dos jacobitas fazer oposição à Maçonaria anti-Stuart, dominada pelos liberais hanoverianos da Grande Loja de Londres e imaginar um ramo superior do ofício.
A mitologia envolvida para estabelecer esse pretexto provinha de duas fontes principais. A primeira, a crença do maçom jacobita, Andrew Michael “Chevalier” Ramsay, emitida pela primeira vez em 1736, de que a Maçonaria renascera na Europa por ordens cavaleirescas durante o período das cruzadas e, depois, o persistente mito das origens patriarcais antediluvianas da Maçonaria, aliado à dinâmica “rosa-cruz” dos mistérios sagrados, trazidos do Oriente pelos cavaleiros-peregrinos. Desse modo, pensava-se que a “Maçonaria” pura desempenhava um papel na restauração da unidade primitiva da humanidade. Essa ideia elevada tinha ressonância com a noção de reconciliação e restauração da perfeição adâmica do homem, preconizada por Pasqually.
Em sintonia com a natureza exaltada da missão maçônica “superior”, Von Hund criou o Rito da “Estrita Observância”. A virtude da Estrita Observância era a de ser a continuação de uma ordem secreta de cavaleiros templários, que, por alguma razão, sobrevivera à supressão papal em 13 de abril de 1312.
É provável que a Escócia tenha oferecido abrigo aos cavaleiros sobreviventes, e seus segredos estavam agora astuciosamente guardados em Lojas maçônicas e alimentados pelas virtudes cavalheirescas dos aristocratas e monarcas escoceses. Desse modo, a Grande Loja de Londres – e a Maçonaria exportada dali à Alemanha e à França – não tinha os verdadeiros segredos. Havia uma mistura intrigante entre a necessidade de segredos com as fantasias sobreviventes da fraternidade oculta rosa-cruz, dando à Estrita Observância e semelhantes ordens posteriores sua peculiar matriz de “Maçonaria Cavalheiresca” com pitadas de devoção mística cristã “rose-croix” mais profunda e gnóstica. Era uma bebida rica e inebriante, servida como antídoto aos rigores bastante tediosos da chamada Era da Razão.
Com sempre se observou, uma falsa ideia é um fato real. Para o crente, acreditar na mentira pode não torná-la real. A crença em um vínculo com os antigos templários criou o fato dos novos templários. Suas crenças tornaram-se uma força motivadora de fato que não pode ser descartada, simplesmente por causa de uma divergência de perspectiva histórica. Existem muitos que gostam de considerar-se templários maçônicos no conhecimento de que representam algo como um ressurgimento em vez de uma continuidade de uma ordem desaparecida. Como observou o historiador maçônico francês Pierre Mollier, o neotemplarismo atrai os homens que se sentem como estranhos em um mundo que se tornou profano demais.
Em 1774, a Estrita Observância foi estabelecida na “província” neotemplária da “Borgonha”, ou seja, em Estrasburgo, depois, em Lyon (“Auvergne”) e em Montpellier (“Septimania”). Trabalhavam-se dois graus além dos três graus do ofício de Aprendiz Aceito, Companheiro e Mestre Maçom. O primeiro era de Noviço, o segundo Cavaleiro Templário, no qual era revelado o segredo de que a Maçonaria era, na realidade, uma sobrevivência da Ordem do Templo, convocada a uma missão secreta pela qual seus membros há muito sofreram.
Na Alemanha, a Loja regular de Braunschweig, Zu den drei Weltkugeln [“Aos Três Globos”], adotou a Estrita Observância e, posteriormente, tornar-se-ia um centro nervoso dos Gold und Rosenkreuzers. O duque Fernando de Braunschweig tornou-se “Magnus” da ordem de Von Hund. É interessante ver que os descendentes das antigas famílias solidárias ao movimento do século XVII tornaram-se patronos dos novos movimentos templários, rosa-cruzes e maçônicos (o landgrave de Hesse-Kassel também estava envolvido).
Em 1775, Braunschweig foi o local escolhido pela Ordem da Estrita Observância para reunir 26 nobres alemães a fim de discutir seus negócios e futuro; de Estrita Observância tinha bem pouco. Um ano após o congresso, os membros dirigentes da ordem viajaram até Wiesbaden, a convite do barão Von Gugomos, que se dizia emissário dos “Verdadeiros Superiores” da ordem. Seu quartel-general era no Oriente, em Chipre (famosa na história como fortaleza dos Cavaleiros Hospitalários de São João). Ele esperava tomar o controle da ordem e, depois que as perguntas se aprofundaram, declarou que retornaria a Chipre para obter valiosos textos secretos para demonstrar a “genuína” linhagem da ordem e seu propósito elevado. Gugomos foi exposto; seus títulos e patentes eram falsificados. Não foi a última vez na história que falsificações levariam a uma quebra de confiança na ordem.
Após os conventos maçônicos de Lyon (1778) e Wilhelmsbad (1782), a Ordem da Estrita Observância morreu, mas suas ideias seriam substancialmente ressuscitadas quase de imediato. A Estrita Observância transformou-se no Régime Écossais Rectifié de Willermoz: o Rito Escocês Retificado, mais conhecido e reverenciado atualmente nos círculos maçônicos devotos pelo acrônimo de C.B.C.S.: Chevaliers Bienfaisants de la Cité Sainte, os Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa.
O que Willermoz fez com a ideia da Ordem do Templo deve-se muito à força transcendental da mente de Pasqually. O que Willermoz fez mostrou ter um significado bem mais abrangente com um impacto direto no mundo do Neorrosacrucianismo.
No Rito Escocês Retificado de Willermoz, o que importa não é o cavaleiro templário como tal, mas uma ordem trans-histórica, cuja existência remonta, supostamente, ao início dos tempos. A verdadeira “Ordem do Templo” denotava algo bem maior do que a ordem particular da cavalaria sagrada dos séculos XII e XIII. A verdadeira ordem espiritual do Templo do Universo poderia continuar, pois não dependia dos acidentes da história ou de vastas propriedades pelo continente (ou aprovação do papa ou o que seja).
Desse modo, qualquer coisa de natureza secreta e mística associada com os templários era simplesmente uma manifestação do contato entre membros dessa ordem (nem todos precisavam saber isso) e que, depois, seria chamada “a Grande Fraternidade Branca” (em que “branca” refere-se a “magia branca”, suprarrealidades sagradas, santas, divinas, perfeitamente espirituais e orientadas pela luz). Portanto, a afirmação em defesa das realidades da história, de que os templários não tinham vínculos históricos com a “Grande Obra” da redenção da humanidade, podia ser rebatida com a acusação de que tal conhecimento não era para todos nem tampouco discernível à inteligência de todos: apenas aos que receberam o conhecimento revelado pela autêntica iniciação. Esse discurso manifestamente oculto não se sustentaria no tribunal, mas esses julgamentos seriam raros. Em certo sentido, estava dizendo, para usar uma expressão vulgar à Era da Razão, “como ela poderia se safar”.
A concepção de uma ordem trans-histórica pode ser descrita como o conceito fundamental do Neorrosacrucianismo e sua criação representava um desenvolvimento simbólico na história dos Invisíveis. Não eram mais os discípulos “rosa-cruzes” que eram invisíveis, mas seus mestres – o que não quer dizer os próprios adeptos experientes não poderiam, como a ocasião exigia, vestir o véu secreto da invisibilidade!
De acordo com a teoria superior do Neorrosacrucianismo, toda iniciação “verdadeira” provém da ordem transcendente. Portanto, qualquer ordem iniciática aprovada podia ser declarada apenas uma manifestação terrestre da ordem divina acima do espaço e do tempo. Assim que se admite essa concepção, estabelece-se o fundamento lógico por meio do qual uma ordem pode afirmar estar em “sucessão espiritual” com a Ordem Rosa-cruz, a Ordem do Templo, Jesus Cristo, os essênios, João Batista, Pitágoras, os antigos egípcios, os cátaros, os gnósticos, Apolônio de Tiana, Simão, o Mago, os maniqueístas – e por aí vai: aí está a boa-fé alojada sobre um nível inacessível (racionalmente inegável). Contra a corrosão da Era da Razão, uma dupla ou tripla demão de tinta.
Logicamente, seria apenas uma questão de tempo começar-se acreditar que os “Superiores Incógnitos” habitassem no espaço exterior. Quanto mais esquisito se fosse, mais esquisitos seriam seus Chefes Secretos. Contudo, embora algumas ordens se divertissem com as fantasias de ficção científica, a maioria preferiu a interpretação estritamente “espiritual”.
Ordens aprovadas podem afirmar terem entrado em contato com habitantes angélicos da “Casa Invisível”. O fato de a manifestação terrestre do sagrado Santuário ser imperfeita não é importante ao argumento. Os Mestres conhecem bem as fraquezas da humanidade, pois vieram para corrigi-las.
A Casa “Invisível” tem, certamente, “Guardiões Invisíveis”, “Superiores Incógnitos”, “Chefes Secretos”, cujo trabalho é de tamanha abrangência multidimensional de complexidade extraordinária a ponto de, sinceramente, estar além do entendimento da pobre humanidade ignorante. Nós, pobres almas não regeneradas que somos, coitados que mal conseguimos ficar em pé em uma postura que relembre o homo sapiens, só podemos vislumbrar, ter flashes da Grande Obra em andamento, a Grande Missão da alquimia cósmica da qual somos – se tivermos sorte – meramente os instrumentos temporais, a serem descartados após o uso, em bênção ou esquecimento, dependendo de nossa conformação, ou não, aos ditames dos mestres.
Desse modo, também é uma certeza lógica o fato de a seguinte passagem do recém-descoberto Evangelho de Judas ser empregada (se já não é) como exemplo da “Casa Invisível”, vislumbrada por membros privilegiados do movimento gnóstico dos séculos II e III, e que os “ortodoxos” não conseguiam, ou conseguem, ver:
“Nenhuma pessoa de nascimento mortal é merecedora de entrar na casa que viste, pois aquele lugar está reservado para o sagrado. Nem o sol nem a lua lá regerão, nem o dia, mas o sagrado habitará para sempre lá, no reino eterno com os anjos sagrados.”
A própria concepção apareceria (trans-historicamente?) na obra bastante influente de Karl von Eckartshausen, Die Wolke über dem Heiligthum,1802 [“A Nuvem sobre o Santuário”], sobre uma Igreja transcendente de adeptos espirituais que guiam a evolução espiritual da humanidade. É a esse organismo que Aleister Crowley buscou acesso definitivo quando se uniu à Ordem Hermética do Amanhecer Dourado, em 1898, e é desse suposto organismo que muitos hierofantes dos mistérios neo-rosa-cruzes reivindicam sua autoridade, uma suposta autoridade não de “meras patentes de papel”, mas do contato direto com os anjos. Desse modo, o Anjo Mágico de John Dee sempre será de mais interesse a essas pessoas do que os textos devocionais de Johann Valentin Andreae. Vale notar, a esse respeito, que uma das mais recentes reimpressões da obra de Eckartshausen foi feita pela Rozenkruis Pers, editora da ordem rosa-cruz holandesa, o Lectorium Rosicrucianum.
A teoria de Willermoz e Pasqually corrobora a maioria das ordens neo-rosa-cruzes e suas ramificações e quase sempre o que derruba tais ordens é a descoberta de serem falsas as supostas ligações com os Superiores Incógnitos. Assim, quando Aleister Crowley, por exemplo, sugeriu as próprias propostas de fundar uma ordem de magia branca, depois de 1900 (quando a Ordem do Amanhecer Dourado se fragmentou), ele o fez não com base no fato de que o líder do Amanhecer não tivesse contato algum com os “Chefes Secretos” da ordem (isto é, que eles não existiam), mas sim que o então líder da ordem, Samuel Mathers, “fracassara” nesses contatos e não mais servia a seus propósitos. Com Mathers fora, Crowley achou que tinha garantido o próprio contato com um “Chefe Secreto”, conforme o próprio relato, em abril de 1904. Eu particularmente gosto muito do estudo, rituais e cerimônias da O.T.O. .
Com a chegada da ordem trans-histórica (vinculada a vários outras linhagens gnósticas, herméticas, bíblicas e cabalísticas), surgiu o Ser Adepto trans-histórico, às vezes dignificado com o termo avatar, que, parece um pouco mais impressionante e menos sentimental do que “anjos”, aos ouvidos ocidentais.
Portanto, não seria surpresa descobrir que o teosofista neo-rosa-cruz e fundador da Antroposofia, Rudolf Steiner (1861-1925), acreditava não só que Christian Rosenkreuz era uma pessoa real (embora um tanto peculiar), mas também que o nome “Christian Rosenkreuz” era um criptônimo temporário para inúmeras encarnações assumidas por um generoso guia espiritual trans-histórico. O ser que apareceu como “Christian Rosenkreuz” manifestou-se posteriormente como conde de Saint-Germain (?-1784), por exemplo. Seguidores sinceros de Steiner ainda poderiam apreciar encontros espirituais com o exímio ser Christian Rosenkreuz, pois isso fora, tinha certeza, concedido a ele.
Jean-Baptiste Willermoz (1730-1824)
Willermoz foi um poderoso fazendeiro nas cercanias da cidade natal de Lyon, onde se dedicava à educação primária, como também com religião e caridade. Fora iniciado na Maçonaria em 1750 e, a partir de 1763, tornou-se “guardião dos Selos e Arquivos” da Grande Loja de Mestres Regulares de Lyon. Ele colecionava, estudava e comparava cada ritual maçônico que lhe caía nas mãos, não só da França, mas também da Alemanha (em 1772, escreveria ao Barão Karl von Hund para obter informações sobre o trabalho neotemplário do barão).
Colocando o irmão Jacques como presidente, Willermoz estabeleceu um pequeno capítulo da Grande Loja de Lyon para descobrir o verdadeiro significado da Maçonaria. Foi chamado o Capítulo dos Cavaleiros da Águia Negra, um título fortemente indicativo de seu senso de importância da Maçonaria, tanto pelas ordens cavalheirescas quanto pelo simbolismo alquímico.
Willermoz descobriu o que procurava quando era membro da Ordem dos Cavaleiros Maçons e Sacerdotes Eleitos do Universo, de Pasqually. Penetrando no significado das doutrinas de Pasqually, Willermoz descobriu a “paz interior da alma”; ele permaneceu fiel ao homem que, para ele, era incomparável.
Por sua parte, Pasqually indicou Willermoz para “Inspetor-Geral do Oriente de Lyon e Grão-Mestre do Grande Templo da França”. É de se supor que Willermoz apreciasse grandes títulos, pois ele próprio adornou-se com vários deles. Tendo alcançado o topo da ordem de Pasqually – o grau de Réau Croix –, Willermoz, como vimos, buscou fundar a própria na esperança de sintetizar todos os sistemas e ritos maçônicos conhecidos como um veículo aprimorado para a doutrina da “Reintegração” de Pasqually. Entretanto, a correspondência com Von Hund só forneceu a Willermoz a opinião inicial de que a Estrita Observância nada mais era que “apenas um sistema infundado e improvado”; faltava-lhe a qualidade eterna que Willermoz encontrou em abundância no universo de Pasqually. Willermoz considerava que a obra alemã mostrava “uma profunda ignorância das coisas essenciais”. Isso não podia ser dito dos Eleitos Cohens, pelo contrário, cuja doutrina demonstrava “uma Maçonaria além da Maçonaria”. O Rito Escocês Retificado, projetado para ser um vencedor maçônico, foi devidamente lançado no Convento das Gálias, em Lyon, entre novembro e dezembro de 1778, um pouco antes de o exército britânico dominar a rebelião americana no sul e capturar Savana, capital da Geórgia.
O universalismo revolucionário estava no ar. Do outro lado do Atlântico, onde a frota francesa encalhou após não conseguir atacar os britânicos em Nova York, a revolução do Homem cheirava não a incenso, mas a pólvora.
As ideias de Willermoz sobre os direitos do homem podiam ser encontradas no quarto círculo de seu Rito Escocês Retificado. Após passar pelos três círculos preparatórios, um quarto círculo interior aguardava o futuro maçom. Por trás do véu do mistério reside – surpresa! – nada menos que um conclave de adeptos da Ordem dos Eleitos Cohens do Universo. Lá, o cavaleiro maçom encontraria o conhecimento exclusivo àquela ordem: Cabala, teurgia e alquimia. Ele podia aprender a mudar o mundo.
De fato, o saber era uma importante função da ordem. A doutrina da Reintegração de Pasqually era nada menos que “a ciência do homem” no coração da Maçonaria e, portanto, no coração de toda aspiração espiritual humana.
O homem era feito à imagem e semelhança de Deus. Após a Queda, o homem reteve a imagem, mas não a semelhança. O objetivo da iniciação era a imitação. O intelecto humano era uma dádiva de Deus e era dever do homem cultivá-la. Willermoz criou programas pedagógicos destinados a transmitir um conhecimento que se acreditava ser nada mais que o fiel legado de uma doutrina muito antiga.
Como já vimos, essa “ciência de reintegração” originou-se, nas palavras de Willermoz, de uma extraordinária “Ordem Superior e Sagrada”. O que mais um maçom podia desejar: a antiga gnose do Homem. Como os cavaleiros templários ou a obra de Christian Rosenkreuz, o próprio Rito Retificado era apenas uma manifestação temporária da atividade da ordem divina. Contudo, como tal, o Rito Escocês Retificado estava fadado a ser.
Após uma jornada variada através do tempo terrestre, o rito ainda está bem vivo. Sem ele, não existiria O Código Da Vinci nem o jogo elaborado que é o “Priorado do Sião”.
Louis-Claude de Saint-Martin (1743-1803)
O nome que tem o maior vínculo, desde o século XVIII, ao esquema trans-histórico de redenção, “reparação” ou reintegração não é o de Pasqually, mas de seu aluno, Louis-Claude de Saint-Martin. Quem reverencia os ensinamentos de Saint-Martin e segue as linhas por ele estabelecidas é chamado “martinista”, o que não quer dizer que o próprio aprovaria tudo que os martinistas dizem e fazem. As ideias – mesmo as transcendentes – desenvolvem-se, claro.
O pseudônimo de Saint-Martin combinava com seu ensinamento fundamental. Ele era conhecido como o “Filósofo Desconhecido”, o que pode significar muitas coisas. Um filósofo desconhecido tem muito a ver com uma fraternidade invisível.
Entre agosto e outubro de 1768, Saint-Martin uniu-se à Ordem dos Eleitos Cohens, a ordem de Pasqually e trabalhou como secretário desta, de 1768 a 1771. Ele aprendeu com o iluminismo de Pasqually sobre a existência e o noivado teúrgico com os poderes angélicos (supostamente) superiores. Por meio da magia cerimonial, Saint-Martin seguiu o caminho do adepto de Pasqually à iluminação na tentativa de recobrar as puras faculdades de Adão, antes da Queda. Esse era o único objetivo da teosofia maçônica – não é de admirar que os adeptos têm tendência a desdenhar meros maçons de ofício!
Desfrutando da hospitalidade de Willermoz, em Lyon, Saint-Martin escreveu sua obra mais famosa e mais difundida, Des érreurs et de la vérité, ou les hommes rappelés au Principe universel de la Science (1775) [“Dos Erros e da Verdade, ou Homens chamados ao princípio universal da Ciência”], na qual as ideias de Pasqually foram transformadas em um sistema martinista.
O livro contém uma crítica abrangente do conceito de razão defendido pela iluminação secular. A verdadeira iluminação não vem dos sentidos ou das considerações do cérebro. A iluminação – como a religião – é uma dádiva sobrenatural. A religião é um meio de transmitir sabedoria a quem percebê-la. A Verdadeira Causa de tudo não é um princípio filosófico adequado à razão humana, mas um Ser ativo e inteligente que está sendo ele próprio. A Verdadeira Causa é capaz de algo inimaginável e incalculável para a razão desamparada.
A própria Queda pode ser superada. As faculdades dispersas e fragmentadas do homem são como um espelho quebrado pelo impacto da Queda. Eles não conseguem refletir a verdadeira luz com perfeição até que sejam reunificados pela regeneração. Essa retificação da dignidade do homem é possibilidata pela virtude do ato sacrificial do Réparateur. Cristo, a Palavra, é o “Reparador”, quem conserta a fenda que separa o homem e seu estado primitivo de “Homem-Deus”. A natureza física, que também sofreu a queda, não é imune à obra do Reparador. O mundo físico também será regenerado, quando o Universo atingir novamente a condição edênica (esse pensamento está em sintonia com as promessas da Fama e da Confessio).
A tarefa de Saint-Martin e de seu sistema (que era em si uma revelação que transcendia a razão) era guiar a humanidade para as capacidades e consciência sobrenaturais que eram, na verdade, suas por direito, mas com relação às quais a geração de Saint-Martin nada entendera, imaginando que os “direitos do homem” se aplicassem apenas às questões de administração representativa.
Saint-Martin estava atento a algumas das ideias científicas e (como seriam posteriormente classificadas) quase científicas de sua era. Entre essas ideias estava a importante descoberta do Mesmerismo (de Franz Anton Mesmer, 1734-1815) e suas ideias de “magnetismo animal”.
Saint-Martin contatou o marquês de Puységur e a Societé de l’Harmonie [“Sociedade da Harmonia”], que explorava o mesmerismo esotérico. Essa sociedade fundou Lojas de mesmeristas, que davam alívio ao sofrimento de muitos com a aplicação de métodos inéditos de melhora sensual, embora a explicação científica para os fenômenos fosse tão fraca que levou à ampla condenação acadêmica dos mesmeristas como charlatães.
Mesmerismo foi o precursor da hipnose e da psicanálise, que ainda amargam uma relação difícil com o mundo do estrito método experimental. Basicamente, a explicação de Saint-Martin para os fenômenos do mesmerismo era a de que devemos nos renovar reentrando em nossa verdadeira natureza. As teorias do “alienista” Carl Jung, desde a década de 1920, têm renovado o interesse na relação entre teurgia, alquimia e simbologia gnóstica com a saúde mental. Agora é comum ouvir palavras como “projeção”, animus, anima, “inconsciente coletivo” e o papel dos “arquétipos” na vida do que Jung considerava a natureza “autorreguladora” da psique.
Jung – um neognóstico a seu modo – indicou quatro aspectos idealmente harmoniosos da psique: pensamento, intuição, emoção e sensação. Não se deve permitir que a faculdade da razão sozinha fique em isolamento e exerça domínio sobre tudo o que examina. O que Pasqually chamou “reconciliação” talvez não esteja muito longe do conceito de “individuação” de Jung, a descoberta do eu reintegrado na harmonia dinâmica do todo. Nesse contexto, é possível observar a postura antirracional de Saint-Martin e seus associados como esforços pioneiros no desenvolvimento contínuo de uma psicologia madura, um trabalho que, talvez, mal iniciou-se, e cujos pioneiros, como de costume, foram os “charlatães”.
Em 4 de julho de 1790, Saint-Martin pediu a Willermoz que retirasse seu nome dos registros maçônicos. Saint-Martin descobrira Jacob Böehme!
A obra de Böehme apresentou a Saint-Martin uma visão teosófica de regeneração humana que permanece sem necessidade de estruturação maçônica nem de postura teúrgica. Saint-Martin concluiu que era a divina Sofia que nos possibilita renascer para a vida verdadeira. Os espíritos que apareciam aos Eleitos Cohens eram, em comparação, impuros. A obra de Saint-Martin Ecce Homo (1792) mostrava quão completamente ele tinha abraçado Böehme; a iniciação de Cristo (conforme mostrada na coleção de Böehme, O Caminho para Cristo, 1624) era o único caminho.
Saint-Martin desenvolveu a ideia do Homem-Deus, o cooperador e ministro da vontade divina, encarregado da missão de salvação. Embora Saint-Martin começasse defendendo um governo de homens escolhidos por Deus para guiar a humanidade, seu amigo Niklaus Anton Kirchberger abriu-lhe a mente às ideias de Madame Guyon, Von Eckartshausen, Heinrich Jung-Stilling, Jane Lead, John Pordage, Thomas Bromley, Johann Georg Gichtel, Caspar Schwenckfeld e Valentin Weigel.
Em consequência dessa nova perspectiva mental, Saint-Martin foi um grande incentivador do desenvolvimento e da expansão geográfica do Iluminismo. Na Rússia, o Iluminismo floresceria sob o reinado da imperatriz Catarina II. O Iluminismo também exerceria influência no movimento do Romantismo nos campos da poesia, filosofia da imaginação, epistemologia e filosofia da história. No século XIX, Balzac estaria entre os muitos escritores que sofreriam a influência da inspiração coletiva do iluminismo.
Saint-Martin, ademais, podia ser entendido em termos de uma evolução social progressiva da humanidade, avançando rumo a uma era do Espírito Santo ou “Paracleto”.
O interessante sobre seu pensamento era que, embora fosse claramente gnóstico, visando ao retorno do Homem ao divino Pleroma, não parecia negar o mundo no sentido ascético ou gnóstico radical. O progresso na Terra era considerado um subproduto da evolução espiritual – em termos alquímicos: o parergon do ergon [“trabalho”]. O objetivo supremo era totalmente ultramundano, mas também transformador do mundo. Nesse processo, os acontecimentos mundiais tinham significado real.
Para Saint-Martin, a Revolução Francesa, por exemplo, era algo que poderia ser decodificado como um hieróglifo terrestre de valor espiritual. Os eventos da revolução personificavam a indagação do homem pela ordem correta conforme o impulso interior de reconciliação e reintegração com a vontade de Deus, enquanto sua violência servia como um sinal da punição pela indiferença passada à Causa Verdadeira. Desse modo, a revolução histórica representava um prenúncio de uma liberação bem maior da humanidade ainda por vir: uma lição profunda e dolorosa, um sacrifício.
Entretanto, o mais importante para o indivíduo era buscar a luz pela qual uma amnésia cósmica podia ser superada. Isso era possível prestando-se atenção ao fragmento residual da Imagem divina que ainda existe no homem. Essa luz residual marcará os primeiros passos rumo à reorientação de nossa vontade com a vontade divina, restaurando, assim, à plenitude, a imagem e semelhança divinas originais. Um novo tipo de ser humano surgiria desse processo que é ao mesmo tempo supra-histórico – como a assembleia dos aperfeiçoados – e histórico, em que a reconciliação se dá dentro dos processos da vida na Terra.
Saint-Martin elogia os hommes de désir [“homens de desejo”], que desejam arrancar a vida divina de sua servidão à condição de pecador. Eles imitam Cristo encarnando, assim, a consciência da Palavra e da Sabedoria divinas; eles expiam o mundo por meio de seu sofrimento sacrificial.
Desse modo, Saint-Martin defende a unidade da mensagem espiritual de libertação e reconciliação através do tempo de uma maneira que, embora possa ser considerada complementar à ideia da comunidade trans-histórica do Rito Escocês Retificado, é discutivelmente superior a este como concepção, uma vez que sua universalidade manifesta um desinteresse maduro na para-história maçônica ou radical maçônica. Talvez Saint-Martin, por meio do envolvimento com influência de Böehme, tenha mudado da posição de curiosus para a de Christianus de Andreae.
Há um eco do Christian Cosmoxenus no “homem de desejo” ideal de Saint-Martin (cujas flechas por acaso estavam sendo lançadas aos ouvidos surdos de Londres pelo artista William Blake). Separado do reino material – a vida vegetal – pela autoimolação (a substituição da individualidade ou egocentrismo pela superior Pedra de Cristo), os “homens de desejo” colocam em prática um ministério espiritual, regenerando outros por meio de seu autossacrifício – dispor de todos os bens perante o Reparador.
Saint-Martin convocou os homens de desejo para participar de boa vontade na Grande Obra da Reintegração. Assim que se atendesse o chamado, a Humanidade seria brindada com os divinos mistérios que o chamado Iluminismo racionalista rejeitou no ato.
Para mim, essa mensagem é coerente com a promessa da Fama, ainda que articulada em uma nova era com as próprias prioridades e preconceitos: “ (...) para que o homem possa finalmente compreender sua própria Nobreza e Valor, e por que é chamado de Microcosmo, e até onde se estende seu conhecimento da natureza.” (Fama Fraternitatis)
Saint-Martin também previu a reintegração da Natureza Eterna, uma mensagem particularmente pertinente às preocupações dessa época, 200 anos depois. Sua obra De l’esprit des choses [“Do Espírito das Coisas”] foi de grande interesse à Naturphilosophie alemã [“Filosofia da Natureza”], cujo espírito viveu mais uma vez na imaginação de alguns alemães “verdes” durante o final da década de 1970 e de 1980. (Falo por experiência própria).
Conforme Saint-Martin, “a imaginação é a parte espiritual da humanidade que possui a visão de todas as coisas. […] Por meio da imaginação, compreendemos a unidade espiritual do Universo”. Dificilmente William Blake podia ter se expressado melhor! Por outro lado, Saint-Martin e o artista e visionário inglês compartilhavam fontes comuns: Böehme e Paracelso.
Saint-Martin também estava ciente de algumas das armadilhas de uma aderência tão próxima ao determinismo exibido por algumas formas de astrologia. O sábio governa seus astros, não o contrário. A vontade do homem de seguir a vontade de Deus pode ser obstruída por interpretações literais de símbolos astrológicos. Saint-Martin deu o nome de “magismo astral” ao poder de reverter o curso da jornada do homem, considerando-o uma distorção dos raios da luz refletida que codifica a vontade divina. Com certeza, deve ter encontrado essa doutrina em Astrologia Teologizada, de Weigel, e também Análise do horóscopo de Christian Cosmoxenus, de Andreae.
Saint-Martin, ao manter as preocupações da Fama e da Confessio, também estava preocupado com a teoria da linguagem, ciente de que um grande abismo separa a humanidade da língua adâmica original, que outrora conteve a essência de uma coisa, de forma que dizer a “palavra” era chamar a própria coisa de dentro. Sem a linguagem adâmica, a comunicação da verdade divina sempre sofreria de um alto grau de deterioração.
Limitações de linguagem costumam sugerir limitações de doutrina. Por exemplo, se dissermos “reino dos céus”, queremos dizer a tradução literal da bíblia grega, que sugeriria um reino do céu diurno e o espaço exterior governado por um imperador? É óbvio para Saint-Martin que as palavras representam uma comparação e metáfora de uma realidade espiritual, decodificada apenas em parte por meio de nossa decaída linguagem. Era possível inferir, na imaginação, a realidade espiritual ao nos concentrarmos na infinitude do que os olhos nos mostram. Os olhos não revelam toda a verdade. Há outra linguagem, uma linguagem simbólica, raramente compreendida, e o dom do poeta de unificar sua visão pelas palavras não é apreciado universalmente.
Cristo é o Verbo e, portanto, reconciliar-se com Ele é, ao mesmo tempo, obter uma nova língua, uma nova linguagem. Essa nova língua foi prometida como dádiva da vindoura era de ouro na Confessio Fraternitatis, prefigurado na história bíblica de Pentecostes, quando os discípulos de Jesus de repente receberam dons linguísticos tão extraordinários que os espectadores confundiram esse espetáculo com o de embriaguez. De fato, tiveram um gostinho do novo reino.
Esse relato nos Atos dos Apóstolos, de acordo com o sistema de Saint-Martin, pode ser considerada um pedaço da história avaliado pelos sinais divinos que codifica. Quanto mais o homem de desejo reintegrar-se no Pleroma (Completude de Deus), mais os sinais divinos com os quais ele está capacitado a decodificar, maior sua compreensão da linguagem original da criação. Quando ele pode completamente abraçar sua Sofia, ele é dotado com a plenitude do Verbo. Na visão de Saint-Martin, eventos históricos são simbólicos de, não instrumentos para, a reintegração da humanidade. Quando o serviço estiver feito, não haverá pergaminho para enrolar; o fim estará em seu princípio.
Sente-se que Saint-Martin não somente descobriu o continente de Jacob Böehme, mas também apreciou a longa estadia na ilha de Christianopolis!
Eu Sou,
Wagner Veneziani Costa
Obs.: A Bibliografia está inserida no próprio texto.
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